Descrição de chapéu Financial Times Guerra da Ucrânia Rússia

Não há um caminho rápido para a paz na Ucrânia

Ambos os lados têm alguma razão para esperar que o outro ceda e incentivo para continuar lutando

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Gideon Rachman

Colunista-chefe de relações exteriores do jornal nipo-britânico Financial Times

Financial Times

Muitas guerras chegam a um ponto em que os lados opostos se perguntam no que eles se meteram. Segundo alguns relatos, Vladimir Putin atingiu esse estágio em setembro. Depois de uma série de reveses militares, o líder russo demonstrava raiva –e até pânico.

Diz-se agora que Putin recuperou sua equanimidade. Com o primeiro aniversário da invasão da Rússia ocorrendo nesta semana, é a aliança ocidental que apoia a Ucrânia que está tendo discussões difíceis.

Soldado ucraniano dispara um morteiro francês em direção a posições russas em Bakhmut
Soldado ucraniano dispara um morteiro francês em direção a posições russas em Bakhmut - Yasuyoshi Chiba - 15.fev.23/AFP

Nos eventos públicos da Conferência de Munique, no fim de semana, os líderes ocidentais exalaram confiança e determinação. As mensagens gerais podem ser resumidas como "rumo à vitória" e "apoio incondicional à Ucrânia".

Mas, em particular, há uma discussão nervosa sobre uma série de questões em aberto. Qual lado tem a iniciativa no campo de batalha? A Rússia pode ser forçada a aceitar uma paz em termos razoáveis para a Ucrânia? Se a guerra se arrastar, a Ucrânia e seus apoiadores ocidentais terão o poder de permanência necessário?

No lado positivo, está claro que a guerra foi muito pior para a Rússia do que parecia plausível na véspera da invasão. Naquela época, havia ampla suposição de que Putin venceria muito rapidamente. Mas os russos estão atolados e sofrendo pesadas baixas.

A Otan, que passou grande parte da Guerra Fria preocupada que os tanques russos invadissem a Europa, descobriu que a Rússia não pode nem tomar e manter Kharkiv, cidade a 50 km de sua fronteira.

Enquanto os militares russos tiveram um desempenho pior que o esperado, entretanto, a economia russa teve um desempenho melhor. Quando as pesadas sanções ocidentais foram impostas, previu-se em geral que a Rússia sofreria uma contração econômica de 20% ou mais. No caso, acredita-se que sua economia tenha encolhido cerca de 3% ou 4% –e poderá crescer no próximo ano. O fato de as sanções não serem verdadeiramente globais as tornou relativamente fáceis de contornar.

Em contraste, a economia ucraniana está em apuros e dependente da ajuda ocidental. Por esta razão, influentes analistas ocidentais argumentam que o tempo não está do lado da Ucrânia –e que, se Kiev quiser vencer, deve fazê-lo rapidamente. Em Munique, houve pedidos frequentes para dar à Ucrânia toda a ajuda necessária para partir para a ofensiva nesta primavera e infligir uma derrota decisiva à Rússia.

Um cenário esperançoso esboçado por algumas autoridades ocidentais é que, se a Ucrânia empurrar a Rússia de volta para os portões da Crimeia, Putin poderá ser forçado a negociar. No melhor dos casos, isso poderia ser alcançado no verão.

Mas existem alguns saltos de fé embutidos nesse cenário. No momento, são os russos que estão fazendo pequenos avanços no campo de batalha. Os ucranianos poderão em breve ser forçados a se retirar de Bakhmut, onde um conflito brutal continua. Uma contraofensiva ucraniana é amplamente esperada. Mas as Forças Armadas ucranianas enfrentam falta de munição e de alguns equipamentos necessários para obter ganhos rápidos –em particular, aviões de combate.

Mesmo que os ucranianos avancem, não há absolutamente nenhuma garantia de que haverá negociações de paz. Diante de mais humilhações no campo de batalha, é mais provável que Putin tente escalar o conflito do que admitir a derrota. Embora a conversa de que o líder russo possa usar armas nucleares tenha diminuído nos últimos meses, ela não foi totalmente descartada.

Outra forma de escalada que está subindo na lista de preocupações ocidentais é que a China pode mudar de posição e começar a fornecer armamento à Rússia. Essa possibilidade pode aumentar se Putin parecer estar à beira da derrota.

Também está claro que há uma divergência latente sobre os objetivos de guerra entre a Ucrânia e seus aliados ocidentais. Os ucranianos insistem que pretendem recapturar todo o território ocupado pela Rússia, incluindo a Crimeia. As autoridades ocidentais não contradizem esse objetivo em público. Mas, em particular, poucos acreditam que a retomada da Crimeia seja um objetivo realista.

Alguns argumentam que o papel crucial do Ocidente no apoio à Ucrânia significa que os EUA e seus aliados podem levar Kiev à mesa de negociações a qualquer momento que considerem apropriado.

Na prática, porém, os ucranianos têm tal capital moral que os governos ocidentais relutarão em pressioná-los abertamente, principalmente se estiverem avançando.

Os ucranianos ainda precisam considerar a possibilidade de que o apoio ocidental possa diminuir com o tempo. Tanto republicanos quanto democratas na grande delegação do Congresso dos EUA em Munique insistiram que o apoio à Ucrânia é sólido como uma rocha. Mas a eleição presidencial pode mudar a atmosfera. O clima político também pode mudar na Europa, se os populistas fizerem mais avanços

É com isso que a Rússia está contando, é claro. Como disse uma autoridade ocidental: "Putin acha que nos falta paciência estratégica e que acabaremos perdendo o interesse".

Mas, assim como Moscou espera que a determinação ocidental se quebre, a Ucrânia e seus aliados estão observando a Rússia de perto em busca de quaisquer sinais de reconsideração ou ameaças a Putin. Como ambos os lados têm alguma razão para esperar que o outro ceda, ambos têm um incentivo para continuar lutando.

É certo pressionar por uma resolução rápida para esta guerra. Talvez seja mais realista esperar um longo conflito.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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