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Reforma judicial em Israel afasta investidores e empresários de tecnologia do país

Setor que responde por 54% das exportações já vê fuga de capitais mesmo antes de aprovação de proposta

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David Segal
Tel Aviv | The New York Times

Há anos, os executivos de tecnologia iniciantes em Israel perguntam a Yanki Margalit, um empresário veterano, onde devem abrir suas novas empresas. Há anos ele dá o mesmo conselho: aqui em Israel, onde os engenheiros de software são abundantes, os investidores internacionais estão ávidos e seus amigos e familiares moram.

Mas enquanto Margalit prepara um novo empreendimento próprio, focado no combate às mudanças climáticas, ele concluiu com relutância que Israel é o lugar errado para se lançar. "Dada a atmosfera atual, é quase irresponsável abrir uma empresa aqui", disse o homem de 60 anos, "e isso é de partir o coração."

O empresário Yanki Margalit em sua casa em Ramat Gan, em Israel
O empresário Yanki Margalit em sua casa em Ramat Gan, em Israel - Ofir Berman/The New York Times

Os luminares da Start-Up Nation, como Israel é conhecido há décadas, estão de olho nas saídas. Vários já anunciaram que estão realocando ou transferindo dinheiro para fora do país, incluindo o CEO do Papaya Group, empresa de folha de pagamentos avaliada em mais de US$ 1 bilhão (R$ 5,17 bilhões).

A razão é que o governo de direita liderado pelo primeiro-ministro Binyamin Netanyahu anunciou recentemente planos de uma ampla reforma no Judiciário do país, que muitos acreditam que encerrará seus 75 anos como instituição independente.

As mudanças propostas reduziriam severamente a capacidade do tribunal superior de derrubar as leis aprovadas pelo Knesset, o Parlamento do país, e daria à coalizão governista muito mais poder de decisão sobre quem se sentará no tribunal.

Isso provocou tanta agitação civil e protestos em massa que o presidente de Israel, Isaac Herzog, declarou em um discurso televisionado que o país estava "à beira do colapso constitucional e social".

Mais discretamente, pessoas como Margalit estão reavaliando o que significa operar aqui e decidindo que, se o governo reorganizar o Judiciário, é hora de partir.

"É tudo uma questão de gerenciamento de risco, e o risco é para a marca Israel", disse Assaf Rappaport, CEO e cofundador da Wiz, empresa de segurança em nuvem avaliada em US$ 6 bilhões (R$ 31 bilhões). "Levou muito tempo para construir esta marca, e hoje todas as empresas do mundo podem confiar em Israel como parceiro em sua ciberdefesa. Essas reformas colocarão tudo isso em questão."

O gabinete do ministro das Finanças de Israel, Bezalel Smotrich, não quis comentar. Em uma declaração em meados de fevereiro, ele disse que as afirmações de que as reformas prejudicariam a democracia faziam parte de uma "campanha alarmista".

Embora as mudanças judiciais propostas afetem todas as empresas israelenses, a reação do setor de tecnologia é a maior preocupação, porque constitui grande parte da força econômica.

Cerca de 54% das exportações de Israel são produtos e serviços de alta tecnologia, segundo a Autoridade de Inovação de Israel, um braço de apoio do governo. Os israelenses criaram mais de 90 das chamadas unicórnios –empresas privadas avaliadas em mais de US$ 1 bilhão–, incluindo a Wix.com, que oferece serviços de web baseados em nuvem; a empresa de jogos Moon Active; e a empresa de serviços financeiros eToro.

Perder os assalariados de alto escalão e as empresas que eles administram teria um impacto devastador num país onde 81% da receita tributária vêm de apenas 20% da população.

O novo governo, formado no final de dezembro, inclui membros dos partidos políticos ultraortodoxos e ultranacionalistas. Ambos dependem fortemente de subsídios do governo –o primeiro porque poucos de seus membros participam do mercado de trabalho, e o último porque deseja fundos para sustentar os assentamentos na Cisjordânia.

É por isso que Eran Yashiv, professor de economia da Universidade de Tel Aviv, vê a reforma do judiciário como uma espécie de apropriação de recursos. "É uma redistribuição do setor de alta tecnologia para minorias religiosas e nacionalistas", disse ele. "E isso transformaria Israel em um país iliberal."

No sistema parlamentar israelense, o governo geralmente controla a legislatura, portanto, ganhar mais influência sobre os tribunais daria a Netanyahu e a seus ministros influência sobre os três ramos do governo e muito menos controle de seus poderes.

Se as instituições democráticas de Israel forem prejudicadas, afirmam investidores e executivos, isso manterá clientes e investidores de primeira linha afastados. E se uma empresa tem dificuldade para atrair clientes terá o mesmo problema com os talentos.

Muitas empresas lideradas por israelenses, incluindo a Wiz, já estão sediadas nos Estados Unidos e mantêm uma subsidiária em Israel porque isso facilita atrair investidores e funcionários. Executivos de tecnologia israelenses que moram nos EUA geralmente retornam quando seus filhos atingem a idade escolar para que possam se aclimatar à cultura israelense e servir nas Forças Armadas.

"Costumávamos falar em voltar em 2024, e agora é tipo ‘não vamos falar sobre isso’, o que é um grande problema para nós", disse Nadav Weizmann, empresário que está lançando sua terceira empresa, a Cardinal, uma ferramenta para gerentes de produtos, em Austin, no Texas. "Para o fundador de uma startup, hoje é muito mais difícil imaginar voltar para Israel, porque você não sabe como será."

Se o governo seguir em frente com seus planos judiciais, a saída de líderes de tecnologia israelenses aumentará e a entrada diminuirá, disse Adam Fisher, cofundador da Bessemer Venture Partners, que apoiou mais de 30 startups no país. O dinheiro da Bessemer e de outras empresas de capital de risco –90% de todo o investimento em tecnologia israelense vêm de fontes estrangeiras– simplesmente seguirá os empreendedores.

"Quando invisto em Israel, não estou realmente investindo na economia israelense; não estou vendo o shekel, a infraestrutura ferroviária ou o crescimento do PIB", disse Fisher. "Eu invisto em empreendedores, e se estes quiserem se estabelecer em outro lugar, tudo bem."

Smotrich e outros membros da coalizão disseram que estão apenas corrigindo um desequilíbrio que dá excesso de poder à Suprema Corte. Em entrevista à emissora Fox News este mês, Netanyahu disse: "Provavelmente temos o tribunal judicial mais ativista do planeta".

Desde 2020, Netanyahu está sendo julgado por acusações de suborno, fraude e quebra de confiança, o que ele nega. Seu interesse em renovar o tribunal foi considerado tão controverso que, neste mês, o ministro da Justiça do país ordenou que ele não se envolvesse na iniciativa. O gabinete de Netanyahu chamou a demanda de "inaceitável".

O fato de um governo liderado por Netanyahu colocar em risco o milagre tecnológico israelense confunde muitos, porque há muito tempo ele é um dos defensores mais vocais do setor. Mas a fuga de capitais já começou.

"Ouço instruções concretas de meus clientes para movimentar dinheiro de Israel para a Suíça ou Londres", disse Eran Goren, cofundador da Fidelis Family Office, que administra o dinheiro de israelenses ricos. "Trabalhamos de perto com departamentos de private banking de grandes bancos, e eles dizem que a coisa vem de todas as direções; as pessoas estão apenas levando o dinheiro embora."

Uma indústria tecnológica decadente tornaria Israel mais pobre, mais fraco e mais religioso, disse Yashiv. Isso deve preocupar qualquer pessoa interessada na estabilidade no Oriente Médio, acrescentou. "Estados mais fracos tendem a ser mais agressivos, e um Israel mais fraco será mais agressivo", disse.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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