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Como missão brasileira na Turquia, que incluiu 5 cães, salvou vidas

Frio e idioma foram desafios da equipe de servidores públicos enviada para prestar socorro às vítimas do terremoto

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São Paulo

Uma missão humanitária brasileira com 42 pessoas, entre elas servidores do Corpo de Bombeiros, da Defesa Civil e da Saúde, esteve na Turquia durante duas semanas trabalhando no resgate das vítimas do terremoto que deixou mais de 50 mil mortos e milhões de desabrigados. O grupo também contou com cinco cães habilitados para o trabalho em condições de desastres.

Imagem colorida mostra quatro profissionais dos Bombeiros, sendo a segunda da esquerda para a direita uma mulher. Eles estão em pé e vestem uniformes cinza e usam um boné. À frente, no lado esquerdo, um deles segura na coleira um cachorro da raça pastor alemão; na direita, outro bombeiro segura um labrador marrom pela coleira.
Sargento Clovis Benedito de Souza, capitã Daniela Santos Oliveira, coronel Carlos Alberto Camargo Júnior e tenente Danilo Cesar de Oliveira, bombeiros que estiveram na missão humanitária brasileira na Turquia, juntamente com as cadelas Hope (pastor) e Joy (labrador) - Zanone Fraissat/Folhapress

A equipe brasileira viajou para a Europa após solicitação do governo da Turquia. A ação ocorreu pelo fato de o Brasil fazer parte do Insarag (Grupo Consultivo Internacional de Busca e Resgate das Nações Unidas), uma aliança internacional de 80 países que se mobiliza para operações de resgate pelo mundo.

"O Brasil tem uma história de boas relações diplomáticas que está resgatando e fazendo questão de manter. E o Insarag é uma oportunidade de se tornar também instituição de referência para essas missões humanitárias internacionais", diz Rafael Machado, coordenador de Estudos Integrados da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional.

O profissional que é designado para esse tipo de trabalho faz parte do grupo de busca e resgate de estruturas colapsadas, presente em algumas corporações estaduais. Eles participam de cursos e treinamentos especializados para esse tipo de ação.

Parte dos profissionais que foram prestar assistência aos turcos esteve presente no resgate das vítimas do rompimento da barragem em Brumadinho, em 2019, nos deslizamentos no litoral paulista, em 2020, nas enchentes da Bahia, em 2021, e em Petrópolis, em 2022.

"Até então não havíamos participado de uma missão internacional. Temos treinado há alguns anos para esse tipo de atuação em ocorrência com padronização internacional. Foi gratificante ver que o nosso trabalho estava correspondendo ao que era preciso", diz a capitã Daniela Santos Oliveira, 39, uma das profissionais de São Paulo.

A delegação contou com 26 policiais militares, sendo 22 do Corpo de Bombeiros, dois médicos e dois membros da Defesa Civil de São Paulo, seis bombeiros de Minas Gerais, outros seis do Espírito Santo e representantes da Defesa Civil nacional.

A equipe viajou na manhã do dia 9 de fevereiro, dois dias após a solicitação turca, para trabalhar nas cidades de Kahramanmaras e Hatay, as mais atingidas pelo terremoto e próximas à fronteira com a Síria, que também foi bastante afetada pelo sismo.

Em solo turco, os brasileiros começaram a encarar desafios. Um deles foi o frio intenso na região. Os termômetros chegavam à casa dos -6°C, com sensação térmica de -9°C.

"Tínhamos em nossa base de operações um local para recepcionar as equipes, com aquecedores, chá e comidas quentes para que tivessem um rápido reestabelecimento e estivessem prontos para trabalhar o mais rápido possível após o descanso", explica o coronel Carlos Alberto de Camargo Júnior, 49, do Corpo de Bombeiros de SP.

Além do frio, o idioma foi um obstáculo. Apesar de boa parte dos profissionais falarem inglês, a comunicação com os turcos era mais difícil. A equipe brasileira contou com o apoio de três voluntários turcos para fazer essa intermediação.

Nas duas semanas de trabalho, os brasileiros realizaram 46 operações de busca e salvamento e 74 atendimentos médicos. O momento mais crítico ocorreu no dia 21 de fevereiro, quando um novo terremoto de magnitude 6,4 atingiu a região de Hatay. "Felizmente foi em um horário em que estávamos todos na base, ao ar livre, e não tivemos danos", conta Machado.

O lado emocional também foi colocado à prova, principalmente nos primeiros dias, quando familiares ainda esperavam encontrar pessoas com vida embaixo dos escombros. "Com o tempo, convivendo com isso, você consegue manter o foco e não deixar esse lado emocional afetar o seu trabalho. Mas sempre é muito pesado", diz Machado. "Em mais de uma situação a nossa equipe resgatou corpos de crianças e entregou às autoridades turcas, que é o procedimento a seguir, mas com a presença da família. É um ambiente de apelo emocional muito forte."

Para a capitã Daniela, que esteve no desastre de Brumadinho e nas enchentes da Bahia, por mais que o profissional esteja preparado para situações extremas, é difícil enfrentar as emoções. "No local onde a gente estava trabalhando, o pessoal conseguiu pegar cadeiras que sobraram dos apartamentos, cada uma de um tipo, e montar uma roda em volta de uma fogueira. Se tinha um livro de uma pessoa, uma medalha de outra, colocavam em uma cadeira como se eles estivessem sentados ali ao lado, em volta da fogueira. Estavam esperando que a gente conseguisse resgatar alguém."

Além dos profissionais, a equipe brasileira levou dez toneladas de materiais e mais 250 kg de medicamentos e itens emergenciais. Também foram levados cinco cães treinados para buscas e salvamento. Segundo a corporação, Joy (labrador) , Mari, Malina, Hope (malinois) e Case (pastor belga) eram capazes de distinguir com sinais se o local guardava pessoas vivas ou mortas.

"Os cães abreviam muito os locais de busca. A gente consegue fazer uma triagem e saber onde vai cavar para buscar sobrevivente ou corpos", diz o coronel Camargo.

Os brasileiros relatam que, além da missão humanitária, a ida para a Turquia foi importante para uma troca de experiências com outras nações que têm maior vivência no atendimento às catástrofes, como França, Estados Unidos e Israel.

"O objetivo principal é somar esforços e salvar vidas, mas não deixa de ser um ganho para quem participa dessa missão. Para os nossos profissionais verem os equipamentos que utilizam, os métodos de busca, os treinamentos com cães, a gestão da operação", diz Machado.

"Essa troca de experiência é fantástica, pois a gente vai aprendendo formas, ou adaptando as nossas formas para a nossa realidade. Tenho certeza que todos voltaram com grande cabedal de informações", relata o coronel Camargo.

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