Democratas latinos concordam com republicanos para proibir a palavra 'Latinx'

Termo de gênero neutro é criticado por parte dos hispânicos nos EUA por vir de fora, mas veto também é rejeitado

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Sarah Maslin Nir
The New York Times

Quando os democratas de Connecticut introduziram uma legislação para banir a palavra "Latinx" dos documentos do governo, encontraram aliados improváveis: republicanos, incluindo a governadora Sarah Huckabee Sanders, do Arkansas, que barrou "Latinx" dos documentos do estado como seu primeiro ato oficial [em inglês usado com maiúscula, "Latinx", como todos os adjetivos gentílicos ou pátrios].

Suas razões diferem: os conservadores argumentam que a palavra, cunhada há cerca de 20 anos como um termo inclusivo e de gênero neutro para descrever pessoas de ascendência latina, é um produto da tendência "woke" liberal. Mas o projeto de lei que tramitou em Hartford foi apresentado por vários membros democratas da bancada negra e porto-riquenha. Eles argumentam, entre outras coisas, que a palavra americanizada desfigura a língua espanhola e, ao fazê-lo, é um ato de apropriação cultural.

Sarah Sanders, hoje governadora do estado de Arkansas, no Estados Unidos, foi porta-voz da Casa Branca durante a gestão de Donald Trump
Sarah Sanders, hoje governadora do estado de Arkansas, no Estados Unidos, foi porta-voz da Casa Branca durante a gestão de Donald Trump - Kevin Lamarque - 10.set.18/Reuters

A situação criou alguns dos companheiros mais imprevistos nas guerras culturais. Sanders, que iniciou a proibição em seu estado em janeiro, disse que o termo "Latinx" era "linguagem etnicamente insensível e pejorativa". Na mesma época, ela proibiu o ensino da "teoria crítica da raça" nas escolas do Arkansas e o uso do TikTok em dispositivos emitidos pelo estado –declarações que definiram o tom de sua administração conservadora.

"Não se pode remover o gênero do espanhol e de outras línguas românicas com mais facilidade do que remover vogais e verbos do inglês", disse ela.

Em Connecticut, onde o projeto de lei proibiria o uso de "Latinx" nos documentos educacionais do governo e do estado, o deputado estadual Geraldo Reyes Jr., que apresentou a medida, chamou o termo de "ofensivo e desnecessário" em um comunicado. "A língua espanhola existe há 1.500 anos e identifica os gêneros masculino, feminino e neutro", disse ele.

Reyes, que representa Waterbury, citou o uso limitado da palavra nos países latino-americanos e a falta de ampla discussão sobre sua adoção inicial.

Sua equipe disse que a palavra tem sido usada em documentos do governo estadual, mas com pouca frequência.

Ele disse que não pretendia que sua proposta de lei fosse divisiva, mas o uso da palavra provocou um debate apaixonado de Connecticut ao Arkansas e além sobre o valor da linguagem inclusiva e a própria ideia de proibir determinadas palavras.

O termo "Latinx" surgiu no início dos anos 2000. Suas origens precisas não são claras, surgindo da academia ou de ativistas ou talvez de ambos.

Ele foi criado para abordar uma característica do espanhol que não existe no inglês: o espanhol é um dos muitos idiomas em que as palavras têm gênero, e a terminação masculina –nos Estados Unidos, "latino"– é normalmente usada para se referir a um grupo de maneira ampla, mesmo que seja de gênero misto.

O x em "Latinx" tem uma função semelhante à de Mx., a versão neutra em termos de gênero dos honoríficos Mr. ou Ms. (Sr. ou Sra.); cria uma alternativa para "Latino" e "Latina". A palavra foi adicionada pela primeira vez ao dicionário Merriam-Webster em 2018. Existem termos alternativos, incluindo "Latine" e até "Latin@".

"Na origem se referia especificamente a pessoas que não queriam ser classificadas nos tipos de gênero binários tradicionais, mas agora tem a ver com a cultura hispânica em geral", disse Orin Hargraves, professor de semântica na Universidade de Colorado em Boulder. "Está de acordo com tudo o que vem acontecendo desde a virada deste século em igualdade de gêneros, o movimento #MeToo, tudo isso junto é um grande balde no qual você pode colocar 'Latinx'."

Meilene Belmont, gerente de serviços para transgêneros da TransLatinx Network, um grupo de apoio e defesa de pessoas transgênero com sede em Nova York, adota o termo por seu senso de inclusão. Ela disse que "latina" é seu termo preferido como mulher transgênero, embora aprove "Latinx" para quem pensa de outro modo.

"Acredito que 'Latinx' serve para qualquer pessoa que se identifique como trans, gay, bissexual, cisgênero... qualquer um", disse Belmont. "O x no final representa todos."

Alguns críticos, como o deputado democrata Ruben Gallego, do Arizona, manifestaram sua aversão pelo termo. Rejeitam "Latinx" não por ser uma tentativa de inclusão, mas porque, diz ele, foi imposto a uma comunidade por pessoas de fora. Em entrevista, Gallego disse que pediu à sua equipe para não usá-lo.

Outros discordam do próprio "x" porque não é uma terminação de plural original do idioma, e argumentam que a inclusão da letra deturpa uma palavra espanhola. A Real Academia Espanhola, que supervisiona o dicionário de maior autoridade no idioma, não o aprovou.

Mas as tentativas de restringir a linguagem por meio de decreto do governo também atraíram críticas.

"Hispânico, chicano, latino, Latinx, latine, latino-americano –nenhum desses termos abrange todos em nossa comunidade", disse John Lugo, diretor da Unidad Latina en Acción, organização de defesa dos trabalhadores com sede em Connecticut, em um comunicado. Ele chamou o esforço de Connecticut para barrar o termo de "um ataque à nossa diversidade".

"Não devemos policiar a linguagem que as pessoas estão usando para descrever sua identidade", disse Lugo.

A palavra "latino" foi adicionada pela primeira vez ao censo dos EUA em 2000; antes disso, a partir de 1980, as perguntas da pesquisa sobre etnia usavam a palavra "Hispanic" (hispânico).

"Na época, surgiram conversas semelhantes sobre a adequação desse termo", disse Mark Hugo Lopez, diretor de pesquisa de raça e etnia do Centro de Pesquisas Pew. Os críticos argumentaram que "hispânico" era um rótulo imposto às pessoas, não um que elas escolheram para si mesmas. Hoje, os entrevistados das pesquisas da Pew sobre como se definem preferem o país de origem, como mexicano-americano ou cubano-americano, disse Lopez.

Algumas preocupações sobre "Latinx" refletem a discussão dos anos 1980: "É um termo muito branco, e um termo branco não deveria representar uma população não-branca", disse Victoria Almazan, 20, estudante de psicologia na Universidade de Connecticut, que apoia a legislação do estado. (Também há um movimento nos países de língua espanhola para criar alternativas neutras em termos de gênero.) Os republicanos em Arkansas, acrescentou Almazan, também estavam certos –mas pelos motivos errados.

"Acho que a inclusão é importante, mas é melhor encontrar uma palavra diferente para usar", disse ela.

Apesar de todo o debate político e acadêmico, "Latinx" parece não importar para muitas pessoas que se descrevem como latinas ou hispânicas. Isso ocorre principalmente porque é amplamente desconhecida: de acordo com uma pesquisa de 2019 realizada pelo Centro Pew, apenas cerca de um quarto dos hispano-americanos estavam familiarizados com o termo e apenas 3% o usavam para referir-se a si próprios.

Cerca de dois anos depois, uma Pesquisa Axios-Ipsos Latino realizada em parceria com o Noticias Telemundo mostrou que cerca de metade dos entrevistados de origem hispânica não tinha objeções em ser classificado como Latinx.

"Se for mais inclusivo, é bom, não vejo nada de errado nisso", disse Marvin Estrada, 34, cozinheiro de um restaurante em Stamford. "Mas honestamente eu não tinha ouvido essa palavra até hoje."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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