Descrição de chapéu LGBTQIA+

Polícia britânica é racista, misógina e homofóbica, diz relatório do Parlamento

Documento de 363 páginas traz exemplos de abusos e pressiona por mudança estrutural na força de segurança de Londres

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Madri

A polícia de Londres é racista, misógina e homofóbica, afirma um relatório independente encomendado pela própria instituição e divulgado nesta terça-feira (21). O material estremeceu a Polícia Metropolitana, ou Met, como britânicos chamam sua força policial.

O relatório final, ao qual a Folha teve acesso, possui 363 páginas e, na maior parte delas, descreve como a força funciona hoje e aponta caminhos para o que considera os seus principais problemas.

Mas é nas cem páginas finais que que as denúncias emergem. Basta olhar os títulos de alguns dos capítulos: "discriminação" (inclui bullying), "homofobia", "sexismo e misoginia" e "racismo".

Policiais em frente à sede da Polícia Metropolitana de Londres, no Reino Unido
Policiais em frente à sede da Polícia Metropolitana de Londres, no Reino Unido - Peter Nicholls/Reuters

O documento aumenta a pressão para que o chefe da Met, Mark Rowley, inicie mudanças estruturais na força, que hoje reúne cerca de 50 mil pessoas. Em um comunicado, ele disse que o relatório deve ser um "catalisador para a reforma da polícia" e ofereceu um pedido de desculpas.

"Os exemplos terríveis de discriminação neste relatório, a decepção de comunidades e vítimas e a tensão enfrentada pela linha de frente são inaceitáveis", disse ele. "Decepcionamos as pessoas, e repito o pedido de desculpas que dei nas minhas primeiras semanas aos londrinos e ao nosso próprio pessoal no Met. Sinto muito."

Entre os exemplos listados está o de um policial sikh, cuja religião recomenda o uso de barba, que a teve cortada porque um colega achou engraçado fazê-lo. Um oficial muçulmano relatou que um pedaço de bacon, em uma provocação religiosa, foi deixado dentro de suas botas.

Rituais de iniciação, por vezes comuns em repúblicas de adolescentes que recém entraram na faculdade, foram realizados por policiais da Met: novatos disseram que urinaram em cima deles, e mulheres descreveram que foram forçadas a comer bolo até vomitar.

Em outro exemplo levantado pelo documento, um policial descreveu ter testemunhado outros policiais "navegando por relatórios de crimes procurando vítimas que moram sozinhas, entrando em contato com elas quando estão de folga e oferecendo 'apoio'".

Uma policial homossexual conta que foi desencorajada a fazer uma reclamação formal depois que um colega disse a ela que suas "bolas estavam frias" e pediu que ela as "aquecesse".

A Met vem sendo fortemente pressionada por mudanças pelo menos desde 2021, quando um policial raptou, estuprou e matou Sarah Everard no sul de Londres, um caso de feminicídio que comoveu o país.

Foi esse crime que fez a então chefe do Met, Cressida Dick, encomendar o relatório há dois anos. Dick foi a primeira mulher e a primeira homossexual declarada a chefiar a Met, em 2017. Ela pediu demissão há um ano, e Rowley assumiu seu posto há nove meses.

O documento divulgado nesta terça-feira é intitulado "Baroness Casey Review" porque sua pesquisa e redação foram realizadas sob a liderança de Louise Casey, baronesa de Blackstock e integrante da Câmara dos Lordes, Casa alta do Parlamento britânico. Ela foi nomeada pelo governo para o serviço.

Casey foi questionada por repórteres se poderia haver mais oficiais como Wayne Couzens e David Carrick na força. "Não posso garantir suficientemente que esse não é o caso", respondeu.

A baronesa Louise Casey, da Câmara dos Lordes, chega com seu relatório para um encontro com a imprensa
A baronesa Louise Casey, da Câmara dos Lordes, chega com seu relatório para um encontro com a imprensa - Kirsty O'Connor - 20.mar.23/Reuters

Wayne Couzens foi o policial que raptou, estuprou e matou Sarah Everard. Ela tinha 33 anos e estava voltando para casa após visitar uma amiga, às 21h30, na região do bairro de Brixton. Couzens, que estava fora de serviço, a parou na calçada, mostrou sua identificação e a algemou. A região vivia uma quarentena devido à Covid, e a jovem, segundo um vídeo captado na rua, não discutiu e entrou no carro.

O policial dirigiu por cerca de 100 km até as cercanias de Dover, onde sai a balsa em direção à França. Ali, ele a estuprou e a estrangulou. Depois, queimou seu corpo e o deixou e em um saco de lixo na floresta.

O cadáver foi encontrado após uma semana, e, seis meses depois, em setembro de 2021, Couzens foi sentenciado à prisão perpétua, sem possibilidade de condicional.

Apenas um mês após a condenação de Couzens, veio à tona o segundo nome citado na pergunta à baronesa Casey nesta terça, o de David Carrick. Em outubro de 2021, uma mulher, em resposta ao caso Sarah Everard, fez uma denúncia de um estupro que sofreu um ano antes.

O autor era Carrick, outro policial do Met, suspenso imediatamente. Cerca de um ano depois, ele admitiu a culpa de 49 delitos, incluindo 24 de estupro, relacionados a 12 mulheres. Mais tarde, admitiu outros quatro estupros e outros delitos.

Carrick abusou e estuprou mulheres por 17 anos, entre 2003 e 2020, ao mesmo tempo em que atuava como policial. Usando aplicativos de namoro para marcar encontros, ele usava seu trabalho como policial para ganhar a confiança das vítimas.

As vítimas descreveram relacionamentos abusivos e violentos, citando espancamento com cinto, prisão em espaços pequenos e estupro. Em alguns casos, ele controlava o que suas vítimas vestiam, quando ou o que comiam e onde dormiam.

No mês passado, Carrick foi condenado. Sua pena é de prisão perpétua, mas ele poderá sair em condicional após 30 anos e 239 dias. Isso será maio de 2052, e ele terá 77 anos.

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