Chefe da Scotland Yard renuncia por escândalo de condutas impróprias de policiais

Cressida Dick sofria pressões também pela atuação nos casos do 'partygate' do premiê Boris Johnson

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Londres | Reuters

A chefe da Polícia Metropolitana de Londres, Cressida Dick, pediu demissão do cargo nesta quinta-feira (10), após uma conversa com o prefeito da cidade, Sadiq Khan. Ela deixou o cargo dizendo, em nota, que "ficou claro que o prefeito não tem mais confiança suficiente" em sua liderança.

Khan teria dito que estava insatisfeito com os eforços da comissária para encerrar episódios de racismo e sexismo na instituição. Na semana passada, o Gabinete Independente de Conduta Policial (IOPC, na sigla em inglês), um órgão corregedor, publicou o relatório de uma investigação que revelou comportamentos e mensagens misóginos e discriminatórios, além de casos de assédio sexual por parte de policiais.

Cressida estava sob pressão pública também pela forma como vem lidando com as apurações sobre o chamado "partygate", como ficou conhecida a série de eventos realizados pelo gabinete do primeiro-ministro Boris Johnson enquanto estavam em vigor regras rígidas de lockdown e restrição a encontros no Reino Unido.

A ex-chefe da Scotland Yard Cressida Dick em Londres - Justin Tallis - 25.jan.22/AFP

Antes da renúncia, a comissária havia dito à rádio BBC de Londres que não tinha intenção de deixar a chefia da Scotland Yard, como a corporação também é conhecida.

O conteúdo do relatório do IOPC foi descrito por um diretor do órgão como chocante. "Acreditamos que esses incidentes [descobertos pela investigação] não são isolados ou simplesmente o comportamento de algumas 'maçãs podres'", diz o documento.

As apurações envolvem casos ocorridos entre 2016 e 2018 na Polícia Metropolitana. O documento traz exemplos de mensagens trocadas por policiais em aplicativos nas quais sugerem estupros, assassinatos e fazem piadas sobre o Holocausto e pessoas negras, entre outras ofensas.

Em setembro do ano passado, o estupro e assassinato da executiva Sarah Everard por um policial da instituição chocou o país e foi o estopim para protestos contra a violência de gênero —Wayne Couzens, 48, foi condenado à prisão perpétua.

De quatro policiais investigados pelo IOPC, dois foram demitidos e banidos da instituição. Outros dois renunciaram e vários sofreram ações disciplinares, segundo a entidade investigadora. Nove seguiram servindo na força.

Cressida Dick ingressou na Scotland Yard em 1983 e chegou ao posto de inspetora-chefe em uma década. Em 2005, ela era a comandante responsável pela ação que resultou na morte do brasileiro Jean Charles de Menezes, assassinado a tiros por policiais no metrô de Londres. Em 2017, Cressida se tornou a primeira mulher a chefiar a Polícia Metropolitana, instituição com mais de 190 anos.

A corporação também esteve no centro do noticiário no fim de janeiro, quando um relatório sobre a investigação interna do governo a respeito do "partygate" foi postergado após pedido da Polícia Metropolitana, que abrira uma investigação criminal sobre as festas em Downing Street.

Surgiram, então, dúvidas sobre eventuais diferenças entre os inquéritos, já que as possibilidades de atuação da Scotland Yard não são as mesmas de Sue Gray, funcionária do governo incumbida da investigação interna.

Havia rumores de que um dos documentos pudesse ter uma versão maquiada dos escândalos. A princípio, a polícia negou qualquer interferência na tarefa de Gray, mas, no dia 28, divulgou um comunicado em que admitiu ter feito pedidos que, para alguns críticos, poderiam limitar o alcance do inquérito do governo.

O relatório de Gray foi divulgado no último dia 31, e apontou "falhas de liderança e de julgamento" de membros da gestão por permitirem a realização desses eventos. O texto também critica os erros dos que estão "no coração do governo" —sem citar Boris— e recomenda políticas de proibição de consumo de álcool em locais de serviço público e a criação de canais de denúncia para servidores.

A investigação abrange um total de 16 eventos entre maio de 2020 e abril de 2021. No relatório, Gray afirma, porém, que não pôde se aprofundar em alguns detalhes das festas devido à solicitação da Scotland Yard .

"Como resultado das investigações da Polícia Metropolitana, e para não prejudicar o processo investigativo da polícia, eles me disseram que seria apropriado fazer apenas uma referência mínima às reuniões nas datas que estão investigando", explicou Gray. "Infelizmente, isso significa que não é possível, no momento, fornecer um relatório significativo que defina e analise as extensas informações factuais que consegui reunir."

Diante da questão, o gabinete do premiê pediu que Gray atualize seu relatório quando a investigação fosse concluída —essa nova versão seria divulgada publicamente, segundo o governo.​

Como consequência dos escândalos, Boris ainda assistiu a uma debandada em seu gabinete em meio à crise que o caso proporcionou. Quatro assessores próximos do premiê renunciaram aos cargos na semana passada, três deles ligados diretamente ao "partygate".

Apesar de ver afundar seus índices de aprovação desde as revelações, Boris parece vislumbrar que sairá impune da crise ou ao menos que permanecerá no cargo. Em reunião com seu novo diretor de Comunicações, o premiê britânico cantou o clássico pop "I Will Survive" (eu vou sobreviver), de Gloria Gaynor.

Ex-premiê John Major pede renúncia de Boris

O ex-primeiro ministro do Reino Unido John Major, 78, acusou nesta quinta-feira (10) Boris Johnson de quebrar as regras de isolamento contra a Covid-19 e pediu a renúncia do atual premiê, caso se comprovem as acusações e ele tenha enganado o Parlamento com "desculpas descaradas".

Em discurso no think tank Institute for Government, Major, que ocupou o posto de 1990 a 1997, disse que o governo de Boris tem dado desculpas "inacreditáveis" para tentar defender o político.

"Mentiras descaradas ao Parlamento têm sido fatais para carreiras políticas —e devem ser sempre", afirmou. "No número 10 [sede do governo], o primeiro-ministro e funcionários quebraram as regras de lockdown. Dia após dia, foi pedido ao público que acreditasse no inacreditável."

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