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Diálogo com a Nicarágua só é positivo se não normalizar abusos, diz candidato expulso

Juan Sebastián Chamorro foi impedido de disputar eleição, preso em unidade de segurança máxima e expatriado aos EUA

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São Paulo

Atrás de Juan Sebastián Chamorro, 52, durante entrevista à Folha, está uma bandeira da Nicarágua, da qual o economista e ex-pré-candidato à Presidência foi expatriado.

Se tivesse de escolher entre os pesadelos, porém, o de agora é menos terrível. O sobrinho da ex-presidente Violeta Chamorro não está mais na prisão de El Chipote, mas nos EUA, com mulher e filha. Ele, porém, não para de articular formas de acabar com a ditadura de Daniel Ortega e de reorganizar a oposição.

Ele elogia a postura do presidente do Chile, Gabriel Boric, que, entre outras medidas, ofereceu nacionalidade aos opositores de Ortega expulsos da Nicarágua. Mas a postura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) gera dúvidas no economista. "Não vejo problema no diálogo, desde que seja para de fato resolver os problemas", afirma. "Se for apenas para apoiar, para normalizar, parece-me muito errado."

Juan Sebastian Chamorro em Herndon, nos EUA
Juan Sebastian Chamorro em Herndon, nos EUA - Andrew Caballero-Reynolds - 9.fev.23/AFP

Após oito meses em prisão domiciliar, o senhor passou 611 dias em El Chipote. Sentiu medo? Não, meu tio Joaquín Chamorro [editor do jornal de oposição à ditadura Somoza, assassinado em 1978] dizia que o medo estava em cada um de nós e que cada um tinha de lidar com o seu. O que mais doeu foi o fato de ser tirado de casa com minha mulher gritando com os oficiais e de ter ficado sem saber nada dela por meses, até ser permitido um telefonema. Ela já havia saído do país, para meu alívio, porque também havia uma ordem de captura contra ela. Por sorte, agora estamos juntos nos EUA, onde pedimos asilo.

O senhor nem sempre foi político. Em que momento decidiu concorrer à Presidência? Tive uma passagem como ministro da Fazenda, mas a maior parte do tempo trabalhei como economista, no setor privado. Em 2018, quando a crise começou a ficar mais séria [houve forte repressão a protestos contra uma reforma previdenciária], decidi não ficar de fora. Me envolvi nas mesas de diálogo, na tentativa de ajudar na liberação dos mais de 700 presos políticos e na contenção e reparação às famílias dos mortos.

A disposição para concorrer era uma alternativa. Apresentamo-nos como sete pré-candidatos, incluindo minha prima Cristiana Chamorro. A ideia nunca foi que os sete saíssem juntos. Havia um diálogo para que organizássemos uma primária. Sabíamos que um candidato forte de oposição poderia derrotar Ortega. Afinal, ele sozinho não tem nem 15% de apoio. Porém, antes que nos organizássemos para a primária, prenderam todos nós, além de juízes, políticos e ativistas.

Como era a prisão de El Chipote? Não é uma penitenciária regular. Funciona a cargo da polícia nacional, é de segurança máxima. Ali realizaram tudo, organizaram as operações, fizeram julgamentos, que no máximo duravam um dia. Recebíamos pouquíssimas visitas de familiares, e só depois de muitos meses. Não se podia falar, ler nem escrever. Fiquei numa cela diante de Hugo Torres [famoso guerrilheiro sandinista que havia libertado Ortega da prisão em 1974, mas que, mesmo assim, o ditador transformou em inimigo e mandou prender]. Vi ele ficar doente e morrer diante de mim. Foi aterrador e muito triste.

Que governos da região têm oferecido mais solidariedade à Nicarágua? Sem dúvida, o Chile. Gosto das posições sempre marcadamente duras do presidente Gabriel Boric sobre os abusos de direitos humanos em meu país. Já Lula propõe estabelecer vias de contato. Não vejo problema no diálogo desde que seja um diálogo para de fato resolver os problemas. Se Lula pode fazer isso, será positivo, mas se for apenas para apoiar, para normalizar, parece-me muito errado.

Como explica o rancor de Ortega contra sua família? Tudo começa quando Ortega perde as eleições de 1990 para minha tia, Violeta Chamorro [hoje enferma e semiconsciente]. Nossa família está na política e na história da Nicarágua há muito tempo, e no discurso de Ortega somos pró-EUA e traidores da pátria.

Em um momento, estávamos presos quatro primos-irmãos em El Chipote, e ainda tínhamos meu primo Carlos Fernando, que é jornalista, com ordem de prisão. Estava e segue na Costa Rica. Hoje, todos perdemos a nacionalidade.

Quais são os planos da oposição desterrada? Estamos nos reconectando como rede, muitos estão em diferentes países. Mas considero que falar agora é o mais importante. Já fui dar uma palestra no Congresso dos EUA, em Genebra, nas Nações Unidas. Por ora voltados aos direitos humanos. Mas num segundo momento temos de debater como fazer oposição desde o exílio, e é muito difícil.

Tenho a vantagem de ter quase toda a família fora da Nicarágua. Mas há ex-prisioneiros cujas famílias estão lá, e eles têm medo. Temos que reconstruir os partidos e iniciar uma longa batalha. Não creio que Ortega saia em condições democráticas livres, por isso contamos com apoios internacionais.

Como pensa que reagiriam sua tia Violeta se estivesse consciente do que estão passando seus filhos e netos e seu tio Pedro Joaquin, que morreu lutando contra uma ditadura? Decepcionados, impactados, assim como vi muitos ex-sandinistas na cadeia, sem acreditar que tinham dado a vida para acabar com uma ditadura para entrar em outra. Mas, assim como aquela terminou, esta também terminará.


Raio-x | Juan Sebastián Chamorro, 52

Formado em economia pela Universidade de San Francisco (EUA), já foi ministro da Agricultura e subsecretário da Fazenda da Nicarágua. Com o recrudescimento do autoritarismo no país sob o regime de Daniel Ortega, tornou-se uma das principais lideranças da oposição, anunciando sua pré-candidatura à Presidência em 2021. Preso pelo regime antes do pleito, foi expatriado e deportado para os EUA em fevereiro deste ano. É sobrinho da ex-presidente Violeta Chamorro.

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