Presidente nos EUA precisa de aval do Congresso para ganhar presentes acima de US$ 415

Se quiser manter objeto após deixar o cargo, mandatário precisa comprar do governo

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Washington

Se Jair Bolsonaro fosse presidente dos Estados Unidos, precisaria de autorização do Congresso para receber as joias da Arábia Saudita que ficaram retidas pela Receita Federal. E, se quisesse ficar com elas para si após o fim do mandato, deveria desembolsar os R$ 16,5 milhões em que foram avaliadas e comprá-las do governo federal.

Está no primeiro artigo da Constituição dos EUA: nenhum membro do governo "deve, sem o consentimento do Congresso, aceitar qualquer presente, lucro, cargo ou título de qualquer rei, príncipe ou Estado estrangeiro".

Joias apreendidas em Guarulhos, no valor de R$ 16,5 milhões, em 2021 - Reprodução Paulo Pimenta no Twitter

Hoje, segundo os Arquivos Nacionais, um presidente americano recebe cerca de 15 mil presentes por ano, de pessoas do próprio país e estrangeiros. Como seria impossível para o Congresso analisar todas essas peças, o governo estabeleceu um limite de valor para que os mandatários possam receber os mimos sem problemas.

Esse valor, estabelecido e revisado a cada três anos pelo GSA (Administração de Serviços Gerais), é hoje de US$ 415 (R$ 2.155). Isso significa, por exemplo, que o então presidente Donald Trump não precisou de autorização do Congresso para receber a camisa da seleção brasileira de Bolsonaro na Casa Branca em 2019, que nos EUA custa US$ 95 (R$ 493).

Os presidentes que quiserem podem ficar com os objetos após deixarem o cargo se pagarem ao governo o valor de mercado —a regra vale apenas para presentes de estrangeiros, objetos ofertados por cidadãos nacionais podem ser mantidos.

A compra raramente acontece, mas o ex-presidente George W. Bush comprou uma espingarda de US$ 14 mil que recebeu no cargo, além de equipamentos de ciclismo.

A norma vale para qualquer funcionário público, e Hillary Clinton, à época secretária de Estado, comprou um colar de pérolas avaliado em US$ 970 dado em 2012 pela Nobel da Paz Aung San Suu Kyi, ex-líder de Myanmar e hoje presa.

A ex-primeira-dama Michelle Obama também recebeu joias do rei Abdullah, da Arábia Saudita, avaliadas em US$ 1,3 milhão, mas não ficou com os presentes.

Caso não queiram comprar os artefatos para si, os presentes são enviados às bibliotecas presidenciais, instituições públicas que abrigam documentos, registros, coleções e outros materiais históricos do período em que os mandatários estiveram no poder. Animais vivos, como um panda que Richard Nixon recebeu da China, vão para zoológicos.

A necessidade de consentimento do Congresso presente na Constituição americana já é uma concessão, porque na fundação dos EUA como país tentou-se proibir o recebimento de qualquer tipo de presente para evitar corrupção.

Nos Artigos da Confederação, espécie de primeira Constituição do país, de 1777, o texto era escrito sem a ressalva da autorização do legislativo. A norma, porém, gerou problemas por recusar uma antiga tradição diplomática.

"A cláusula se provou problemática na prática. As potências estrangeiras presenteavam seus emissários americanos que partiam [do país] com os mesmos tipos de presentes que costumavam dar a outros diplomatas, e os novos americanos tiveram que descobrir como adequar a proibição americana com a prática internacional padrão", escrevem os professores Zephyr Teachout e Seth Barrett Tillman em artigo que debate o tema para o site do National Constitution Center, instituição que discute a Constituição americana.

Na época, assim como agora, diamantes presenteados por um governo estrangeiro também causaram polêmica —e foram o motivo para a mudança na legislação.

A norma foi testada em 1785 quando o rei da França Luís 16 deu a Benjamin Franklin, um dos "pais fundadores" dos EUA e então embaixador no país, uma caixa de rapé (tabaco em pó para cheirar) encrustada de 408 diamantes.

Franklin foi acusado de corrupção, mas, depois de certo debate na opinião pública, o Congresso da época permitiu que Franklin mantivesse o presente.

Aberto o precedente, a Constituição do país, feita dois anos depois, trazia a ressalva de que os presentes poderiam ser aceitos com autorização do Congresso.

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