Lavrov critica parceria do Brasil com Alemanha e Japão no G4

No Itamaraty, chanceler russo condenou aliança com países que 'fazem sempre o que é esperado pelos americanos'

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André Spigariol
DW

O Ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, criticou nesta segunda-feira (17) a posição do Brasil e da Índia por buscarem em conjunto um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas ao lado da Alemanha e do Japão.

Durante uma aula magna a portas fechadas para jovens diplomatas no Instituto Rio Branco, a academia diplomática do Itamaraty, o homem forte da diplomacia de Vladimir Putin sugeriu que os governos brasileiro e indiano "não fazem a coisa certa" ao buscarem a reforma do Conselho de Segurança em parceria com japoneses e alemães. Lavrov fez referência ao G4, grupo de países formado em 2005 com o objetivo de apoiar as respectivas candidaturas a cadeiras permanentes no conselho.

Serguei Lavrov, chanceler da Rússia, chega ao Itamaraty, em Brasília, para uma reunião com seu homólogo brasileiro, Mauro Vieira - Ueslei Marcelino - 17.abr.23/Reuters

"Os países ocidentais reivindicam a Alemanha e o Japão, que também são parte integrante do mundo ocidental. Eles não vão agregar valor ao Conselho de Segurança," alegou o ministro russo, de acordo com uma gravação da palestra obtida pela DW.

"E explicamos aos nossos amigos brasileiros e indianos que, quando eles continuam se movendo como um grupo de quatro, Brasil, Índia, Alemanha e Japão, eles não estão fazendo a coisa certa para seus próprios interesses. Nós não podemos aumentar a injustiça que já existe na atual composição do Conselho de Segurança. Acrescentar mais dois países que fazem sempre o que é esperado pelos americanos não vai torná-lo mais equilibrado ou mais representativo", explicou.

O ministro reiterou que a Rússia apoia os pleitos dos países em desenvolvimento. "Vemos o Brasil como um candidato lógico e forte para obter uma cadeira permanente no Conselho de Segurança. Apoiaremos o pedido do Brasil, bem como o pedido da Índia e a necessidade simultânea de satisfazer os interesses dos nossos amigos africanos", afirmou.

Brics e posições do Brasil

Na palestra, Lavrov afirmou que o Brics é uma das prioridades da política externa russa, caracterizando o bloco como "modelo exemplar da diplomacia global do século 21". Ele afirmou que o bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul é um dos pilares do "sistema multipolar" que seu país tenta construir na reforma de instituições internacionais.

Além de estudantes do Instituto Rio Branco, a palestra foi acompanhada por integrantes do alto escalão do Ministério das Relações Exteriores, incluindo Maria Laura Rocha, secretária-geral do Itamaraty. Lavrov palestrou logo depois de se reunir com o ministro Mauro Vieira, das Relações Exteriores, e pouco antes de se encontrar com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Palácio da Alvorada.

Na aula magna, o russo também elogiou as posições adotadas pelo Brasil diante do conflito na Ucrânia, caracterizando-as como "equilibradas e responsáveis". Lavrov enumera algumas posturas cruciais adotadas pela diplomacia brasileira nas últimas semanas que foram vistas com bons olhos por Moscou.

"Agradecemos muito o voto brasileiro do Conselho de Segurança da ONU em apoio ao nosso pedido de abertura de uma investigação independente sobre os ataques terroristas aos gasodutos Nord Stream", disse Lavrov durante a palestra, ministrada em inglês. "A decisão de dissociar-se da chamada Cúpula pela Democracia é mais um importante posicionamento que confirma a condição do Brasil de verdadeiro campeão da genuína multipolaridade", acrescentou. No final de março, o governo brasileiro rejeitou o convite da Casa Branca para assinar a declaração final da Cúpula para a Democracia de 2023. O documento exige uma retirada incondicional dos militares russos do território da Ucrânia.

Críticas ao Ocidente

Ainda na palestra aos jovens diplomatas brasileiros, Lavrov passou a criticar o que chamou de "regime russofóbico racista em Kiev, levado ao poder pelo golpe ilegal em 2014". Ele comparou a posição do Brasil com a de outros países, dizendo que "a maioria dos países do mundo se recusa a aderir à campanha de sanções e propaganda política" do Ocidente contra a Rússia. Ele também comparou as narrativas ocidentais à propaganda nazista. "As pessoas responsáveis entendem que a situação na Ucrânia nada mais é do que o resultado da crise de segurança europeia provocada pela Otan", acrescentou.

O presidente Lula sugeriu recentemente a formação de um grupo de nações ditas neutras para intermediar negociações de paz entre a Rússia e a Ucrânia. Mas ele também acusou os EUA de encorajar o conflito por meio do envio de armas à Ucrânia e, durante uma entrevista coletiva no sábado, o líder brasileiro sugeriu que tanto a Ucrânia quanto a Rússia são responsáveis pela guerra. O Brasil também negou repetidos pedidos de venda de armas feitos pela Ucrânia e países do ocidente.

Na semana passada, durante uma reunião com o líder chinês, Xi Jinping, Lula endossou a estrutura de 12 pontos de Pequim para a paz, um documento criticado por diplomatas ocidentais por não prever uma retirada das forças russas do território ucraniano.

John Kirby, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, acusou o líder brasileiro de "papagaiar a propaganda russa e chinesa sem olhar para os fatos". Durante uma entrevista coletiva na noite de segunda, o chanceler Mauro Vieira disse que discordava dessa conclusão. A União Europeia também rejeitou uma fala de Lula em que o presidente brasileiro acusou o bloco de prolongar o conflito. Já a Ucrânia voltou a convidar Lula a viajar a Kiev e "entender as causas reais da guerra".

A posição do Brasil é delicada. O país pediu paz, criticou a invasão da Rússia em declarações na ONU e votou a favor de uma resolução que condena a agressão russa.

Mas o país, que depende da Rússia para a importação de fertilizantes, tentou equilibrar essas posições com tentativas de suavizar as resoluções, com o objetivo de soar neutro. Em declarações recentes perante o Conselho de Segurança da ONU, diplomatas brasileiros criticaram as sanções ocidentais e o fluxo de armas para a Ucrânia. Eles também disseram que uma solução para a crise deve considerar "as preocupações de segurança de ambos os lados".

Na segunda, em declaração à imprensa ao lado de Lavrov, Vieira pediu um cessar-fogo imediato sem mencionar a retirada das tropas russas. O ministro russo, por sua vez, disse que Brasil e Rússia têm abordagens consonantes para questões internacionais atuais; ele também agradeceu os esforços do Brasil para buscar a paz.

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