Proposta de paz de Lula leva em conta nosso interesse, diz Rússia

Kremlin volta a afirmar que ideia merece atenção, um dia após encontro de Lavrov com presidente brasileiro

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São Paulo

Um dia após a polêmica visita do chanceler russo, Serguei Lavrov, ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Kremlin disse que a proposta do líder brasileiro de criar um clube de mediação neutro para a Guerra da Ucrânia merece atenção porque leva em conta os interesses russos.

Questionado sobre a ideia de Lula, o porta-voz Dmitri Peskov afirmou: "Qualquer ideia que leve em conta os interesses da Rússia merece atenção e certamente precisa ser ouvida". Em fevereiro, o vice-chanceler Mikhail Galuzin já havia dito que o plano estava sob análise.

Serguei Lavrov deixa o Itamaraty após encontro com o chanceler brasileiro, Mauro Vieira
Serguei Lavrov deixa o Itamaraty após encontro com o chanceler brasileiro, Mauro Vieira - Ueslei Marcelino - 17.abr.23/Reuters

A visita de Lavrov, que acaba nesta terça (18), foi marcada por críticas do governo americano. O porta-voz do Conselho de Segurança Nacional americano, John Kirby, chamou a posição de Lula na guerra de "profundamente problemática" e afirmou que o presidente estava repetindo a propaganda russa.

O Itamaraty reagiu, com o chanceler Mauro Vieira dizendo que o Brasil só quer promover a paz. Apesar do alinhamento a Moscou, o país condenou em duas ocasiões a invasão em votações na ONU.

Lula tem um histórico de declarações controversas sobre o conflito. No ano passado, disse que o líder ucraniano, Volodimir Zelenski, era tão culpado quanto Vladimir Putin pela guerra, por não considerar as necessidades de segurança de Moscou. Repetiu a ideia neste ano, sendo duramente criticado em Kiev.

Ele também sugeriu que a Ucrânia deveria começar negociações de paz assumindo a perda da Crimeia, anexada em 2014 por Putin, levando a nova rodada de críticas. Por fim, enviou o assessor Celso Amorim para uma conversa com o presidente russo antes da viagem de Lavrov, recebido após voltar da China.

Em Pequim e na parada feita nos Emirados Árabes Unidos na volta, Lula recheou seus discursos com ataques aos EUA, da defesa do abandono do dólar como moeda de troca internacional à responsabilização de Washington pela continuidade da guerra. Os EUA são os principais doadores de ajuda militar aos ucranianos, razão central para a resistência de Kiev à máquina militar de Putin.

As falas azedaram uma relação que havia começado promissora, ainda que com limites, entre Lula e Joe Biden. Diplomatas dos EUA consideram que o petista está sendo ingrato, dado o apoio de Washington ao sistema eleitoral brasileiro quando ele estava sendo questionado pelo discurso golpista de Jair Bolsonaro.

Caiu especialmente mal uma entrevista de Lula na qual o petista disse que a Operação Lava Jato foi feita em conluio com os EUA visando destruir o potencial das empreiteiras brasileiras no exterior.

Em relação à Ucrânia, a proposta de Lula é vaga. Sugere a criação de um "clube da paz" de países sem envolvimento direto no conflito para discutir formas de encerrar a crise iniciada há quase 14 meses.

A questão é que o petista insinuou que nações como Brasil e Índia, nominalmente neutros, pudessem se sentar à mesa com a China —que, por ser principal aliada de Putin, não é vista como imparcial pelo Ocidente, que por sua vez tem seu lado na guerra. Várias potências tentam romper o impasse. A Turquia, que tem boas relações com Moscou e Kiev, além de ser integrante da Otan, a aliança militar ocidental, saiu na frente, mas sem sucesso. A China apresentou um plano de paz que abarca contradições, e nesta terça a agência de notícias Bloomberg publicou que a França quer trabalhar uma saída com Pequim.

O presidente francês, Emmanuel Macron, tratou o tema, segundo a reportagem, em sua visita a Xi Jinping, há duas semanas. Peskov, questionado por jornalistas, disse desconhecer tal negociação.

A posição de Lula é vista como frágil devido ao baixo peso relativo do Brasil em questões de segurança internacional, e críticos apontam que ele pode estar sendo usado pela Rússia para Moscou ganhar tempo.

Fato é que, a esta altura, nem Rússia nem Ucrânia estão prontas para a paz. Moscou diz que qualquer conversa tem de incluir a aceitação do que chama de novas realidades: o reconhecimento da anexação da Crimeia, um fato consumado, e dos quatro territórios ucranianos declarados absorvidos em setembro.

Na visão de Putin, os interesses citados por Peskov passam por formas de manter a Ucrânia distante de uma admissão à Otan, garantindo um espaço tampão entre o país e o Ocidente. Até aqui, conseguiu o contrário, com a adesão da Finlândia e sua fronteira de 1.300 km com a Rússia ao clube militar.

Já para Kiev, os combates só acabam quando todas as forças russas deixarem as áreas ocupadas, que somam cerca de 20% do país. Após um inverno do Hemisfério Norte de intensos combates no leste, em torno da cidade de Bakhmut, na região de Donetsk, que seguem, ambos os lados se preparam para o endurecimento do solo para ofensivas de primavera.

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior do texto afirmava que o nome do porta-voz do Conselho de Segurança dos EUA era ​Jack Kirby. O correto é John Kirby.

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