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O que a Folha pensa Rússia

Diplomacia de risco

Lula assume custo político desnecessário ao se alinhar a Pequim e a Moscou

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Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em cerimônia durante visita à China - Ken Ishii/AFP

Um dos fundamentos de qualquer política externa é a proporcionalidade entre pretensão e condições objetivas de sustentar uma posição, seja por peso relativo econômico, influência em campos específicos ou mera força militar.

Em seus dois primeiros mandatos, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), aproveitando a onda gerada pelo apetite chinês por commodities, lançou o Brasil naquilo que chamava de diplomacia ativa e altiva.

Os resultados foram mistos. O Brasil teve de fato mais destaque, mas também passou vergonhas, como no fracassado acordo nuclear que tentou mediar no Irã.

Sobrevieram anos de recuo devido à crise econômica e à desconstrução externa sob Jair Bolsonaro (PL). O solo calcinado era propício a Lula, de volta ao poder. O petista, apesar da paixão por ditaduras esquerdistas, começou bem o jogo.

Reuniu-se com vizinhos e com o congênere americano Joe Biden, cujo governo empenhou-se de forma notável na defesa da transição democrática ameaçada por Bolsonaro. Fez uma proposta genérica para negociar a paz na Ucrânia, improvável mas de baixo custo.

Lula, contudo, começou a perder a mão na dosimetria. Altivez é louvável, claro, e assenta-se na tradição de não alinhamento do Itamaraty. Mas o mundo de 2023 é complexo, com um conflito brutal em curso na Europa, inserido na disputa geopolítica que opõe China e Rússia aos EUA e seus aliados.

Países como Brasil, Índia e Turquia tentam equilibrar-se entre polos, porém isso requer estofo. Os indianos, por exemplo, têm uma economia com 1,4 bilhão de habitantes e armas nucleares.

Assim, a retórica antiamericana assumida por Lula em Pequim, viagem de resto natural dada a condição chinesa de maior parceiro comercial do Brasil, embute riscos. O presidente falou em independência ante o dólar e criticou o belicismo dos EUA na Guerra da Ucrânia.

Sobre o conflito, o petista já havia negado munição a Kiev —e candidamente sugeriu perdas territoriais em troca da paz. Mais grave, declarou que os agredidos são tão culpados quanto os agressores.

Além disso, enviou o assessor Celso Amorim a Moscou e recebeu o chanceler Serguei Lavrov, que iniciou pelo Brasil um giro que incluirá as ditaduras esquerdistas da Venezuela, Nicarágua e Cuba.

Ainda que o Brasil tenha condenado a guerra na ONU, o ministro Mauro Vieira (Relações Exteriores) preferiu criticar as sanções contra Moscou ao lado do russo.

Se é certo que a multipolaridade veio para ficar, sem apostar nos temas em que tem autoridade, como mudança climática ou segurança alimentar, Lula sinaliza ter escolhido um lado e corre o risco de virar apenas coadjuvante da briga alheia.

editoriais@grupofolha.com.br

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