Caminho de Charles 3º até coroação foi longo e marcado pela falta de charme

Poucos personagens uniram tanta notoriedade a tão pouco carisma pessoal quanto novo monarca britânico

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O rei Charles 3º durante cerimônia de graduação de cadetes em Londres

O rei Charles 3º durante cerimônia de graduação de cadetes em Londres Daniel Leal - 14.abr.23/AFP

São Paulo

Poucos personagens uniram tanta notoriedade a tão pouco charme pessoal quanto Charles Philip Arthur George de Edimburgo, 74, a ser coroado neste sábado (6) monarca do Reino Unido e de 14 outros países que o reconhecem como chefe de Estado.

Charles 3º, que reina mas não governa, a exemplo das modernas monarquias europeias, terá na coroação sua mais simbólica formalidade, já que ele é rei desde o último 8 de setembro, com a morte de sua mãe, Elizabeth 2ª. E o foi assim reconhecido quatro dias depois, no Parlamento da Escócia, que forma o Reino Unido ao lado de Inglaterra, País de Gales e Irlanda do Norte.

O caminho de Charles ao trono foi longo. Nenhum outro herdeiro esperou 70 anos —sua mãe virou rainha em 1952. O precedente fora Eduardo 7º, primogênito da rainha Vitória, que ficou na fila por 59 anos.

Sua ascensão se dá quando, segundo o instituto de pesquisas YouGov, sua imagem é positiva para 55% dos britânicos. E pode ter ficado maior, conforme se aproximava a coroação. Charles superou o inferno astral em que ele e a monarquia mergulharam em agosto de 1997, quando sua ex-mulher, Diana Spencer, morreu em Paris, em desastre de automóvel que também vitimou o namorado dela.

Lady Di foi um inesperado fenômeno de mídia na história recente da monarquia britânica. Seu casamento, em 1981, foi mundanamente festejado como um conto de fadas e "o casamento do século". Mas, como diria a mesma Diana anos depois, "tinha gente de mais" em sua relação com o príncipe de Gales. Referência à antiga namorada que Charles voltara a procurar, por mais que ela também estivesse casada.

Camilla Parker Bowles, perfil discreto, casou-se com Charles em 2005. Ela agora será coroada rainha. Há nisso uma visível evolução de costumes da monarquia. Em 1936, o tio-avô de Charles, Eduardo 8º, precisou abdicar para se casar com uma divorciada americana, Wallis Simpson. O trono passou então para o irmão dele, George 6º, o pai da futura Elizabeth 2ª.

O fato é que entre o viúvo infiel de Lady Di e o hoje monarca há uma competente reconquista da popularidade, em que Charles e seus assessores curaram a imagem machucada do futuro rei e tornaram Camilla palatável. A operação se deu por uma exposição do então príncipe de Gales a uma agenda intensa de compromissos formais que o associaram, por exemplo, ao combate à crise climática. Nas contas do britânico The Guardian, entre 2002 e 2022 ele cumpriu 10.934 compromissos.

O problema, no entanto, é que Charles é um personagem frio, pouco empático. Nunca jogou futebol ou rúgbi, os esportes mais populares em seu país. Não se sabe a que tipo de filmes assiste ou que romances gosta de ler. No lugar disso, ele até recentemente montava num de seus cavalos para jogar polo e praticar outros hábitos aristocráticos, exóticos para os súditos.

Sabe-se, em compensação, que o novo rei mantém uma boa relação com a alta cultura. Assim, ninguém precisou obrigá-lo, por exemplo, a presidir a Royal Shakespeare Company ou tampouco assistir à encenação de suas peças em Stratford-on-Avon. Ou então a ser o patrono da Royal Opera House e frequentar de vez em quando o Covent Garden, sede em Londres das grandes montagens operísticas.

E a família? Bem, desde muito cedo esse tem sido um capítulo morno. Em sua biografia autorizada, publicada em 1994 por Jonathan Dimbleby, Charles diz que na infância seus pais foram para ele "física e emocionalmente distantes". A regra do jogo dos Windsor não prevê, em público, apegos da classe média, em que pais e filhos se beijam e se abraçam, brigam em voz alta e se amam por pequenos gestos.

Isso explica a formalidade com que se relacionam Charles e seus dois filhos, William, o sucessor e atual príncipe de Gales, e Harry, duque de Sussex, que mora com a mulher nos EUA e é o mais distante do pai.

Charles nasceu em 14 de novembro de 1948 no Palácio de Buckingham, em Londres. Foi alfabetizado por tutores e frequentou, por determinação de seu pai, o príncipe Philip, uma escola de rígida disciplina. Entrou em 1967 na Universidade de Cambridge, na qual obteve um bacharelado em artes.

O site da família real resume desde então seus engajamentos: "Sua majestade trabalhou de perto com muitas entidades, apoiando publicamente uma ampla variedade de causas ambientais, artísticas, comunidades rurais, saúde pública e educação". Quando príncipe herdeiro, Charles também dedicou parte de sua agenda a atividades filantrópicas, para as quais criou um fundo específico.

Trata-se de um currículo extenso, mas que não conseguiu dar ao novo monarca o charme que tanto entretém a imprensa, sobretudo os tabloides britânicos, na cobertura da família real. Por outro lado, a falta de carisma talvez seja até mais atrativa para a mídia. Se falta charme, agora há coroa.

Ao ter o objeto mais simbólico da monarquia colocado em sua cabeça, ele cumpre o rito tradicional britânico que, no entanto, não é regra das monarquias: na dinastia de Bragança, por exemplo, ocorria apenas a aclamação real. A coroa estava presente no cerimonial, mas não na cabeça do soberano.

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