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Entenda o resultado das eleições no Paraguai em 7 pontos

Colorado expande poder, oposição murcha, e extremismo se fortalece; relações com Brasil e China devem ser preservadas

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O resultado das eleições no Paraguai surpreendeu paraguaios e analistas. O partido Colorado, que comanda o país há praticamente 70 anos, não só manteve seu poder, como o expandiu. Enquanto isso, a oposição murchou e o extremismo se fortaleceu, elegendo até um deputado preso por assédio.

Na América Latina, o país se consolida como uma exceção, tanto por escolher novamente a direita em meio a muitos vizinhos de esquerda, quanto por quebrar uma tendência de derrotas dos governos em exercício. Em termos de relações com o Brasil e outros países, pouca coisa deve mudar.

Entenda abaixo os principais pontos do pleito paraguaio, que ocorreu em turno único neste domingo (30).

Santiago Peña, 44, comemora o resultado das eleições ao lado da esposa e do presidente do Partido Colorado
Santiago Peña (no meio) comemora o resultado das eleições ao lado da esposa e do presidente do Partido Colorado - Agustin Marcarian - 30.abr.23/Reuters

1. Colorado consolida e expande poder

Contrariando as expectativas de um pleito acirrado, o economista conservador Santiago Peña, 44, venceu o advogado liberal Efraín Alegre, 60, por uma diferença de 15 pontos percentuais —a vitória mais folgada do partido Colorado em 25 anos.

A sigla comanda o país desde a ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989), com exceção da gestão do ex-bispo de esquerda Fernando Lugo, de 2008 a 2012, que sofreu um impeachment. Por isso, o resultado é atribuído ao grande aparato público e à identificação cultural dos paraguaios com a legenda e o conservadorismo.

Além da vitória presidencial, o Colorado recuperou a maioria no Senado após 20 anos. A casa tem mais peso no país do que a Câmara dos Deputados, onde o Colorado também ampliou sua hegemonia. Nos estados, o partido ainda elegeu 15 de 17 governadores, ante 13 na última votação.

2. Oposição sai enfraquecida

Efraín Alegre foi derrotado pela terceira vez pelo Colorado, mesmo sendo um político experiente e conseguindo formar uma grande coalizão de centro-direita, centro e centro-esquerda chamada Concertación Nacional (acordo nacional). Também perdeu espaço nos estados e no Congresso.

O fracasso se deu principalmente por cinco fatores, segundo o analista político Esteban Caballero, professor da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso). "Primeiro, Paraguayo Cubas [candidato extremista que ficou em terceiro lugar] tirou uma taxa importante dos votos de Alegre, mas é ingênuo pensar que foi só isso", diz.

O liberal teve ainda divisões internas na sua coalizão —rachou com o partido de esquerda Frente Guasú, por exemplo—; fez uma campanha desorganizada; teve uma postura vista como arrogante por muitos eleitores; e usou um discurso "anti-Colorado" em vez de se ater à "anticorrupção", o que despertou um sentimento de defesa nos rivais.

3. Extremismo cresce em mais um país

O ex-senador extremista Paraguayo Cubas, que é comparado a Jair Bolsonaro (PL), conseguiu uma votação expressiva tanto em sua candidatura à Presidência quanto no Legislativo. Seu partido Cruzada Nacional, que concorreu pela primeira vez, elegeu cinco senadores e mais cinco deputados.

Um deles, Rafael "Mbururu" Esquivel, foi eleito mesmo estando preso preventivamente por abuso sexual de uma adolescente. "Cubas tocou nesse nervo que muitos candidatos estão tocando em outros países. O nervo da raiva, do 'estou farto'", diz Caballero, que afirma ser muito difícil rotulá-lo. "Ele tem posições contraditórias, que passam pelo nacionalismo, anarquismo, autoritarismo e invasão agrária."

O ex-senador teve seu mandato cassado em 2019 após ser filmado atacando policiais e defendendo a morte de "ao menos 100 mil brasileiros", o que exige a atenção do Brasil, segundo analistas. Em movimento semelhante ao de bolsonaristas, seus apoiadores foram às ruas nesta segunda-feira (1º) reclamar sem provas da "invalidez das eleições".

4. Horacio Cartes vence, mas segue na mira da Justiça

A vitória de Peña foi uma demonstração de força do ex-presidente e líder do Colorado, Horacio Cartes, homem mais poderoso do país. Mesmo tendo sido descrito como "significativamente corrupto" pelos Estados Unidos, o dono de bancos e empresas de cigarros conseguiu eleger seu apadrinhado. Peña entrou na política como seu ministro da Fazenda, de 2015 a 2017.

A grande dúvida é se o presidente eleito seguirá à sombra de Cartes, como indicou em seu discurso de agradecimento, ou terá mais autonomia. Enquanto isso, o ex-presidente terá que lidar com investigações externas, dos americanos, mas também internas.

As apurações de crimes como lavagem de dinheiro e contrabando abertas contra ele no ano passado estavam paradas, mas em março o Ministério Público nomeou um novo chefe, Emiliano Rolón, que montou uma força-tarefa com cinco membros para levar as buscas adiante.

5. Na América Latina, país se firma como exceção

A eleição do Colorado quebra uma sequência de derrotas dos governos em exercício no continente, mostrando que, mesmo com descontentamento popular, a máquina do estado ainda pode ajudar a eleger líderes. Também é uma vitória da direita em um entorno majoritariamente de esquerda.

"Por outro lado, é uma direita conhecida, previsível e institucionalizada. Não é uma direita que surge de repente e sem organização, como o bolsonarismo", afirma Caballero. Para ele, o governo de Peña deverá se identificar mais com forças como o Juntos por el Cambio na Argentina e o uribismo na Colômbia, e não como grupos disruptivos como o do argentino Javier Milei.

6. Boa relação com Brasil deve ser preservada

A despeito das diferenças ideológicas com Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pouca coisa deve mudar. Uma das principais metas do Paraguai para os próximos anos é se industrializar e ampliar suas exportações de manufaturados, e para isso vai precisar do apoio e da infraestrutura do governo e das empresas brasileiras.

"A agenda entre Brasil e Paraguai agora terá um aspecto muito mais comercial, com maquilas [áreas sob incentivo fiscal] e obras de infraestrutura, do que uma temática social, que era defendida por Alegre", diz Tomaz Espósito, professor de relações internacionais da Universidade Federal da Grande Dourados, na fronteira entre os dois países.

Peña também terá que renegociar com Lula parte do acordo da hidrelétrica de Itaipu, que completou 50 anos na semana passada. Ele deve pleitear o aumento do preço da parcela de energia que o Paraguai não usa, assim como o direito de vendê-la a outros países ou empresas além do Brasil.

Apoiadores do colorado Santiago Peña reagem a apuração dos votos em Assunção, capital do Paraguai - Agustin Marcarian/Reuters

7. Pouco deve mudar no restante da política externa

O Paraguai é o único país na América do Sul entre as 13 nações que reconhecem a ilha de Taiwan, vista pela China como uma província rebelde, o que implica, na prática, em abrir mão de manter laços com o gigante asiático. Alegre queria rever esse apoio, mas, com Peña presidente, a tendência é que ele se mantenha.

"Ao mesmo tempo, existe a aproximação recente do Brasil com a China. O Paraguai quer estar bem com o Brasil, mas também quer manter a relação com Taiwan. Isso não é impossível de administrar, mas é um ponto de atenção", afirma Caballero. Segundo o analista político, outra relação que não deve sofrer grandes mudanças é com os EUA, que busca estabilidade na América Latina.

Peña terá que deixar um pouco suas posições republicanas, analisa o especialista, e se aproximar mais dos democratas se quiser manter o diálogo estável, independentemente do que ocorrer em 2024 nas eleições americanas. Mas isso não deverá ser tão difícil para um economista formado na Universidade Columbia (NY), opina.

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