Descrição de chapéu Guerra da Ucrânia Rússia

Lula discute Guerra da Ucrânia com outros países no G7, mas não com Zelenski

Reunião entre os dois mandatários ainda pode ocorrer no último dia da cúpula, diz membro da comitiva

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Hiroshima (Japão)

A comitiva do Brasil na cúpula do G7, em Hiroshima, discutiu a Guerra da Ucrânia com os líderes da França e do Japão —mas ainda não se dirigiu ao presidente do país invadido, Volodimir Zelenski, a despeito do anúncio do líder de que desejava se encontrar com seu homólogo brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), durante o evento.

Pela manhã, a Folha perguntou a Lula se uma reunião com o presidente ucraniano estava prevista. "Não sei", respondeu o petista.

Em sentido anti-horário a partir de Lula, Justin Trudeau, Joe Biden, Emmanuel Macron, Narendra Modi, Joko Widodo e Fumio Kishida, respectivamente líderes do Brasil, Canadá, EUA, França, Índia, Indonésia, e Japão, se reúnem para foto oficial de cúpula do G7 em Hiroshima - Jacques Witt/via AFP

Um membro de sua delegação afirmou à Bloomberg que a aparição surpresa de Zelenski em Hiroshima foi encarada pela comitiva como uma espécie de emboscada para obrigá-los a se reunir. Procurado, um diplomata da equipe negou a impressão, afirmando que o Japão, anfitrião do encontro, avisou da possibilidade de a Ucrânia participar presencialmente antes de Lula aceitar o convite para o encontro.

O mesmo diplomata disse ainda que o petista continuava sem saber se aceitaria o pedido de reunião feito por Zelenski, e que ela ainda pode acontecer neste domingo (21), último dia da cúpula.

Recebendo apoio de grande parte do Ocidente em forma de armas para o campo de batalha e sanções contra Moscou, Kiev se volta agora para países do Sul Global, como o Brasil e a Índia, que resistem em sair da neutralidade.

O primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, acatou o convite de Zelenski, a quem prometeu fazer "todo o possível" para encontrar uma solução para o conflito que já dura quase 15 meses. O país asiático, que tem vínculos políticos, econômicos e militares com a Rússia, até hoje não condenou abertamente a invasão.

A reunião entre os dirigentes, a primeira desde o início da guerra, foi na sala ao lado daquela em que, ao mesmo tempo, Lula se reunia com o presidente da França, Emmanuel Macron, para uma longa conversa que abordou, entre outros temas, a guerra em curso na Ucrânia. O ocupante do Palácio do Eliseu declarou publicamente que acreditava que a presença de Zelenski na cúpula podia "mudar o jogo" para Kiev, representando uma "ocasião única" para que ele conversasse com dirigentes de países emergentes convidados.

Foi Macron, aliás, que emprestou o avião para que Zelenski chegasse ao Japão —uma vitória de relações públicas para o líder francês que, ao longo do conflito, por vezes fez seus companheiros na Otan, a aliança militar ocidental, duvidar de seu apoio a Kiev.

Zelenski desembarcou na cidade japonesa para participar como convidado do encontro no início da noite do sábado no horário local. A sua chegada, transmitida ao vivo pela televisão, chamou a atenção e ofuscou o comunicado conjunto do grupo que reúne algumas das maiores economias do mundo, divulgado quase ao mesmo tempo.

O comunicado tem um conteúdo fortemente anti-China, com críticas ao que o G7 chama de "coerção econômica" chinesa. Trata-se de uma referência ao uso que a China faz de seu poder econômico para retaliar contra países que contrariam os interesses do gigante asiático. Por exemplo, cancelando importações de nações que permitem abertura de escritórios de representação de Taiwan, impondo barreiras sanitárias para venda de produtos ou boicotando empresas.

O comunicado anuncia a criação de uma "plataforma de coordenação para coerção econômica". Em texto detalhando a iniciativa, o G7 diz que vão falhar e terão consequências as "tentativas de instrumentalizar dependência econômica, ao forçar países do G7 e economias menores a obedece ". O texto também fala sobre a necessidade de controlar o acesso a "tecnologias sensíveis que são cruciais para a segurança nacional". Os EUA e outros países, pressionados pelos americanos, proibiram a venda de certos semicondutores e outros equipamentos de alta tecnologia par a China.

Embora o comunicado não se alongue muito a respeito da Guerra da Ucrânia, o grupo também pediu à China, aliado estratégico da Rússia, para pressioná-la "pelo fim de sua agressão".

A China reagiu às críticas. "O G7 apregoa que quer avançar para um mundo pacífico, estável e próspero. Mas, na realidade, cria obstáculos para a paz mundial, prejudica a estabilidade regional e inibe o desenvolvimento de outros países", afirmou um porta-voz do Ministério de Relações Exteriores chinês. "A China manifesta seu forte descontentamento e sua firme oposição, e apresentou uma queixa oficial ao Japão, país que recebe a cúpula, e às outras partes envolvidas."

O chanceler da Rússia, Serguei Lavrov, também se manifestou, afirmando em um comunicado televisionado que as medidas da cúpula visavam a "contenção dupla" de seu país e de Pequim. Antes do evento, países-membros do G7 anunciaram novas sanções para tentar sufocar a economia russa e, em um comunicado conjunto, alertaram eventuais aliados da nação que poderiam enfrentar "custos severos". "A tarefa foi definida em alto e bom som: derrotar a Rússia no campo de batalha, mas não parar por aí, eliminando-a como um competidor geopolítico", disse o ministro.

A declaração menos contundente em relação ao conflito atende, porém, aos anseios do Brasil, que advogou por um texto final mais focado na segurança alimentar.

Nas sessões da cúpula de que Lula participou como convidado, a guerra também ficou em segundo plano. Em seu primeiro discurso neste sábado, o presidente criticou a "formação de blocos antagônicos" na geopolítica global, cobrou reformas na composição de instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Conselho de Segurança das ONU, uma reivindicação brasileira histórica, e voltou a pedir que países desenvolvidos cumpram promessas relacionadas ao meio ambiente, oferecendo a liderança do Brasil no tema.

O Protocolo de Kyoto, disse o presidente, "se tornou referência da falta de ação coletiva". Concluído em 1997 no Japão, o acordo estabelecia metas de redução das emissões de gases-estufa que fracassaram.

Lula também se reuniu com o primeiro-ministro japonês, Fumio Kishida, e ouviu do anfitrião da cúpula que o país asiático iniciaria procedimentos para introduzir a isenção de visto para brasileiros. O líder do Japão também confirmou para breve um empréstimo de 30 bilhões de ienes (R$ 1,09 bilhão) para saúde e outros setores, e expressou esperança no avanço da reforma tributária do Brasil.

Segundo o relato oficial, a guerra não foi mencionada, diferentemente do que ocorreu na reunião de preparação do encontro entre o chanceler Mauro Vieira e seu homólogo asiático, Yoshimasa Hayashi. Os dois ministros "trocaram pontos de vista sobre a situação na Ucrânia e no Leste Asiático", ou seja, sobre a guerra e a China.

O ausência do tema não foi por falta de oportunidade. Segundo afirmou também neste sábado o assessor de Segurança Nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, o presidente americano, Joe Biden, pretendia buscar uma oportunidade para conversar com Lula durante a cúpula sobre o "papel construtivo" que o Brasil poderia desempenhar no elemento "mais fundamental que qualquer resultado" do conflito: "a soberania e integridade territorial, sagradas na Carta da ONU".

O líder americano ainda agradeceria ao líder brasileiro pelo apoio do país em várias das principais resoluções da ONU acerca do conflito. Em fevereiro, o Brasil foi a favor de um documento que condenava as "nefastas consequências humanitárias" da invasão da Ucrânia pela Rússia, exigia a retirada das tropas de Moscou do país no Leste Europeu e se comprometia com a promoção da paz na região —em outras votações sobre o conflito, o Brasil optou pela abstenção.

Com AFP e Reuters

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