Descrição de chapéu Financial Times

Quem é o líder do principal grupo antimonarquia britânico

Graham Smith, à frente do Republic, critica endurecimento de leis contra protestos no Reino Unido

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Henry Mance
Londres | Financial Times

Dificilmente é uma luta igualitária. De um lado está a monarquia britânica, com seu milênio de tradição, múltiplos palácios, centenas de cortesãos e domínio da mídia mundial. Do outro, um ex-funcionário de suporte de TI e ativista chamado Graham Smith.

Smith, 49, é o funcionário mais antigo e chefe do Republic, o único grupo considerável antimonarquia do Reino Unido. Até o ano passado, ele também era o único funcionário; agora é um dos sete.

Na porta de sua modesta casa, a 26 quilômetros do Castelo de Windsor, ele me cumprimenta com o ar rude e desgrenhado de quem está acostumado a estar no time perdedor.

O ativista Graham Smith, líder do grupo antimonarquia Republic, durante protesto em Londres
O ativista Graham Smith, líder do grupo antimonarquia Republic, durante protesto em Londres - May James - 13.mar.23/Reuters

Mas, diante de Golias, todos sonham em ser Davi. Elizabeth 2ª, a monarca que até os republicanos admiravam, faleceu. E, na manhã da coroação do rei Charles 3º, no mês passado, Smith e outros sete ativistas foram presos enquanto preparavam um protesto. Sua detenção de 16 horas –que a polícia mais tarde lamentou– foi "um trauma", diz Smith. Mas também deu publicidade à sua causa.

"Sempre pensei que haveria um momento em que teríamos impacto maior. Não pensei que seria cortesia da Polícia Metropolitana", afirma Smith, enquanto seu gato ruivo se senta em seu colo. Três dias de manchetes foram "transformadores" para o Republic: seus membros pagantes aumentaram em dois terços.

Smith agora tem duas causas. Primeiro, reverter o ataque do governo a protestos: "As leis são tão abrangentes que eles precisam apenas de uma desculpa esfarrapada para dizer 'vamos prendê-lo'." Segundo, livrar-se do monarca constitucional, que Smith suspeita ter ficado satisfeito com sua prisão. Charles "absolutamente odeia a dissidência. Ele já nos viu protestar cinco vezes muito perto dele e não se envolve conosco". "Tenho a impressão de que ele não está impressionado."

Em um novo livro, "Abolish the Monarchy" (abolir a monarquia), Smith diz que os Windsor recebem mais dinheiro público do que alegam, gastam muito em viagens, falharam em oferecer segurança nacional após o referendo do brexit ou quando Boris Johnson tentou se manter no cargo em 2022. E a presença deles provoca "um etos conservador" na Constituição britânica.

Apenas um quarto do público é a favor de um chefe de Estado eleito. Mas a proporção de pessoas entre 18 e 24 anos que apoiam a monarquia caiu pela metade em uma década para cerca de um terço.

Os países-membros da comunidade de nações Commonwealth estão procurando se tornar repúblicas. Outras monarquias, incluindo a da Espanha, estão cedendo. O príncipe Harry, nas palavras de Smith, expôs a realeza como "não apenas estranha e disfuncional, mas indelicada, cruel e fria".

Depois de uma abundância de espetáculos reais –jubileus, casamentos, funerais, uma coroação–, não há mais nada no horizonte. No próximo, a luta entre realeza e republicanos será menos desigual?

Smith se considera um ativista, não um manifestante. "Certamente irrito as pessoas. Mas nunca tive problemas com a polícia." Então a lei do Reino Unido foi reforçada para conter manifestantes ambientais, e a polícia conseguiu prender qualquer pessoa com equipamento que pudesse usar para se prender em estruturas públicas. Isso implicava qualquer pessoa com um cadeado de bicicleta.

Ele foi preso por volta das 6h no dia da coroação do rei Charles. "Isso foi premeditado. Suspeito que pessoas no Palácio de Buckingham deixaram claro que não queriam muito barulho." O Republic esperava cerca de 1.500 pessoas, uma pequena ação para os padrões políticos que, no entanto, teria sido a maior de sua história. Mas muitos ficaram desanimados quando souberam das prisões.

Para o ativista, os ingleses não têm o "direito de protestar" no Reino Unido. "Há uma suposição de permissão, mas ela pode ser retirada a qualquer momento por altos funcionários e políticos." Smith e seus colegas detidos estão tentando abrir um processo por prisões ilegais e violação da Lei de Direitos Humanos de 1998. Ele quer um pedido de desculpas.

Smith compara o tratamento recebido pela polícia com a forma como as autoridades tratam a realeza. A Polícia Metropolitana ainda não tem resultados de sua investigação, por exemplo, sobre um empresário saudita que teria comprado um título oficial com uma doação para uma instituição de caridade real.

"O ponto principal da monarquia é que você tem que encobrir essas coisas, caso contrário quebra todo o sistema." Também em outras áreas, como impostos e despesas, a realeza é perdoada por comportamento que arruinaria políticos eleitos. O Palácio se recusou a comentar.

O apoio à monarquia repousa sobre dois pilares. O primeiro, econômico. A monarquia é considerada barata –a verba soberana para 2022-23 é de 86 milhões de libras, ou seja, R$ 530 milhões, ou, ainda, 1,29 libra, R$ 6,22, por pessoa– e possivelmente um contribuinte líquido, devido ao turismo.

O Republic estima o custo real da monarquia em cerca de 350 milhões de libras (R$ 2,21 bilhões) por ano, depois de incluídos itens como as receitas dos ducados de Lancaster e Cornwall; o custo da segurança real; e o custo para os conselhos de organizar visitas reais.

O segundo pilar é que a monarquia funciona e encanta. Os Windsor conhecem seu dever e o cumprem. Para isso, a resposta de Smith é: "Ou somos democratas ou não somos".

Sua alternativa é uma reforma total: uma Constituição codificada, uma segunda Câmara eleita e um presidente eleito diretamente. E quanto ao risco de uma personalidade como Donald Trump como chefe de Estado? "Por que uma figura como Trump iria querer algo que não tem poder?"

Aqui vale a pena notar que o papel de presidente da Câmara dos Comuns tem poder limitado, mas atraiu um egoísta, John Bercow. "Em outros países, as pessoas geralmente escolhem pessoas realmente inspiradoras como presidente", retruca Smith.

Ele ainda chama a realeza de "corrupta" com cerimônias "ridículas". Mas, para muitos, o melhor argumento para abolir a monarquia é a simpatia pela realeza –confinada, assediada, condenada a servir. Mas, em sua opinião, a simpatia pela situação da realeza expira quando as pessoas chegam aos 30 anos: nessa idade, elas "devem ser capazes de dizer que provavelmente não deveríamos estar fazendo isso".

A novela recente sobre a monarquia prova que "eles são Kardashians financiados por impostos, e isso é tudo o que é hoje, para a maioria das pessoas", afirma Smith. "As queixas de Harry e Meghan dividiram o público principal, e isso não vai sarar."

Smith disse que o maior obstáculo do Republic é a apatia pública. Mas é também o desejo do público por símbolos, misticismo, tradição. "Suspeito que algumas pessoas apenas querem ser convidadas para um grande evento", suspira Smith.

No entanto, sua proposta de revolução parece exangue. Nem tudo pode ser friamente racional. "Há muita emoção no republicanismo", diz. "As pessoas não ficam gritando 'não é meu rei' porque estão sentadas pensando racionalmente no que querem fazer com sua Constituição."

A mãe de Smith era enfermeira, e seu pai, um trabalhador industrial; ambos eram republicanos. Aos 20 anos, ele morou na Austrália, coincidindo com o referendo de 1999, quando a população votou por 55 a 45 contra a república. Ele voltou para a Grã-Bretanha dois anos depois e ficou impressionado com a deferência "alienígena" dos locutores referindo-se a Sua Majestade e Sua Alteza Real.

Perdeu a eleição para vereador Liberal Democrata, ingressou no Republic, fundado em 1983, e concluiu o curso na Universidade Aberta. Tornou-se presidente-executivo do Republic em 2005.

Anteriormente, muitos republicanos apaixonados haviam ignorado os eventos reais; Smith foi inflexível que eles deveriam protestar. "Existe essa narrativa de que somos um país monarquista e que todo mundo está comemorando. Não vamos concordar com isso." Metade da população disse que não estava interessada na coroação, diz ele.

O Republic tentou deliberadamente se apresentar como moderado. Procura aliar-se a acadêmicos e jornalistas não republicanos que queiram ter acesso aos arquivos reais. O testamento do príncipe Philip é um de muitos documentos selados. "Há uma razão pela qual eles escondem as coisas. Os testamentos não ficariam bem."

A sorte do Republic oscilou. "Alguns anos atrás, o dinheiro no banco girava em torno de 10.000 libras (R$ 62 mil). Agora são 230 mil libras (R$ 1,4 milhão)." O apoio à monarquia, de mais de 60%, "pode cair para menos de 50% nos próximos anos", diz ele. "William pode ser rei, mas as chances de George ser rei estão diminuindo rapidamente."

Smith é quase a imagem espelhada de um daqueles descendentes de monarcas europeus depostos, que ainda anseia por retornar ao trono. Ele é resiliente, mas a monarquia também. Deixo a casa dele e volto para uma Grã-Bretanha onde quase todo mundo já ouviu falar do rei Charles e quase ninguém ouviu falar do Republic.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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