Descrição de chapéu The New York Times drogas

EUA aumentam pressão sobre China para combater crise global do fentanil

Esforços para mitigar epidemia causada pela substância foram frustrados por tensões nas relações entre os países

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The New York Times

Quatro anos atrás, um esforço conjunto para impedir que o fentanil produzido na China chegasse aos EUA parecia prestes a decolar. Pequim havia divulgado uma nova lei que proibia o opioide sintético, levando o governo Trump a elogiar o líder chinês, Xi Jinping, por "um gesto humanitário maravilhoso".

Logo, agentes chineses e americanos se uniram para investigar e processar traficantes de fentanil na China. Mas hoje a cooperação entre os dois países chegou a um impasse. Os esforços mútuos para reprimir o narcótico responsável por dezenas de milhares de overdoses nos Estados Unidos a cada ano foram frustrados por tensões geopolíticas maiores sobre comércio, direitos humanos, Rússia e Taiwan.

Ao fundo, é visto outdoor com a mensagem 'fentanil mata' em rodovia interestadual em Wisconsin; no plano da frente é possível ver vegetação
Outdoor com a mensagem 'fentanil mata' em rodovia interestadual em Wisconsin, nos EUA - Todd Heisler - 1º.dez.22/The New York Times

A falha em cooperar na interdição do fentanil é emblemática das várias maneiras como o relacionamento bilateral encalhou. Em parte para tentar fazer com que outros países pressionem a China a se esforçar mais para conter o fluxo de substâncias químicas usadas para produzir fentanil, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, liderou na sexta-feira (7) a primeira reunião virtual de uma coalizão global que visa acabar com a ameaça de drogas sintéticas perigosas.

Blinken disse em seu discurso de abertura que quase 110 mil americanos morreram de overdose de drogas no ano passado; dois terços dessas mortes envolveram opioides sintéticos, o principal assassino de americanos de 18 a 49 anos. É "um problema que nenhum país pode resolver sozinho", disse ele.

A China foi convidada a se juntar à coalizão inicial de cerca de 84 países que concordaram em se envolver no esforço, mas não deu qualquer indício de que pretende participar, disse Todd Robinson, secretário de Estado adjunto para narcóticos e repressão judicial. Por outro lado, o governo do México, outro país crítico na cadeia de abastecimento de fentanil e outros opioides mortais, comprometeu-se a participar.

A questão também deverá ser levantada em reuniões nesta semana em Pequim entre a secretária do Tesouro, Janet Yellen, e autoridades chinesas. Neste ano, o Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros do Departamento do Tesouro impôs sanções a empresas chinesas e mexicanas suspeitas de produzir pílulas de fentanil, parte de um esforço mais amplo de Washington para reprimir a fonte da crise mortal.

A visita de Yellen se segue à viagem de Blinken a Pequim, em junho, durante a qual ele pediu à China que retome a cooperação com os EUA no controle de narcóticos. Pequim congelou a comunicação com Washington sobre o assunto após a então presidente da Câmara, Nancy Pelosi, visitar Taiwan em agosto.

Durante a visita de Blinken, o secretário disse a repórteres que os dois países concordaram em "explorar a criação de um grupo de trabalho ou esforço conjunto" para combater o tráfico de fentanil. Mas quaisquer perspectivas de cooperação desapareceram poucos dias depois, quando promotores federais dos EUA anunciaram o indiciamento de quatro empresas chinesas acusadas de traficar produtos químicos usados por cartéis mexicanos para fabricar grandes quantidades de fentanil vendidas nos Estados Unidos.

Desde então, a China atacou os EUA devido à questão das drogas, acusando o país de transferir a culpa por seus próprios problemas para Pequim e negar seus fracassos na luta contra a epidemia de fentanil.

"Os Estados Unidos devem enfrentar seus próprios problemas e não se esquivar das doenças", disse um comentário recente no Diário do Povo, jornal porta-voz do Partido Comunista Chinês. "Atacar e difamar a China não vai curar o problema crônico do abuso de drogas nos Estados Unidos, mas apenas atrasar o problema do controle de drogas nos Estados Unidos, gerando uma crise social maior."

A China fala por experiência própria quando se trata de drogas. O país foi vítima do comércio explorador de ópio da Grã-Bretanha no século 19. "Devido à memória dolorosa da Guerra do Ópio, a China é o país que mais odeia as drogas", disse um editorial no mês passado no Global Times, um tabloide do partido.

O fentanil praticamente não tem mercado doméstico na China, e analistas dizem que isso deu a Pequim menos incentivo para regulamentar seus precursores químicos, que também têm uma série de usos legais na indústria médica. Em vez disso, Pequim provavelmente vê a crise do fentanil como algo para dominar Washington, num momento em que se frustra com as medidas dos EUA que considera impositivas.

Elas incluem restrição do acesso chinês à tecnologia avançada de semicondutores e o fortalecimento dos laços de segurança entre EUA e vizinhos da China, como Japão, Coreia do Sul e Filipinas. Analistas dizem que Pequim vai querer algo valioso em troca de concordar em ajudar o governo Biden sobre o fentanil.

Alguns analistas chineses culpam a política doméstica dos EUA por impulsionar a crescente pressão do governo Biden sobre a China em relação ao fentanil. "As políticas antidrogas nos Estados Unidos têm sido fracas, e o ano das eleições presidenciais está chegando", disse Wu Xinbo, reitor de estudos internacionais da Universidade Fudan, em Xangai. "Isso dá ao Partido Republicano a oportunidade de atacar os democratas e o governo Biden. É por isso que vemos os EUA exagerando nessa questão."

A China proibiu todas as variantes do fentanil em 2019, cumprindo a promessa de Xi a Trump. Em consequência, as exportações diretas de produtos químicos relacionados ao fentanil para os EUA despencaram. Mas especialistas dizem que a fiscalização chinesa se atenuou progressivamente quando ficou claro que o governo Trump não suspenderia as tarifas comerciais impostas à China um ano antes.

Isso levou a um aumento no envio de precursores químicos para o México, onde os cartéis de drogas fabricam e despacham grande parte do fentanil que acaba nos EUA. Para analistas, a disputa sobre o fentanil salienta diferenças cruciais em como Washington e Pequim abordam sua rivalidade. O governo Biden afirma que pode competir com a China em questões estratégicas como segurança e tecnologia e, ao mesmo tempo, cooperar em questões de interesse mútuo, como crise climática e controle de drogas.

"A China disse 'não, não estamos interessados nessa proposta'; se vocês quiserem cooperar nessa questão, precisam cooperar no relacionamento estratégico", disse Vanda Felbab-Brown, membro sênior da Brookings Institution e especialista em política global de drogas.

Ela instou Washington a se coordenar com outros países para pressionar a China e considerar ferramentas mais punitivas, como sanções, para obter a cooperação chinesa contra o tráfico de drogas.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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