Lula diz em Bruxelas que solução para Venezuela tem que partir do próprio povo

Encontro com opositores e membros da ditadura e outras lideranças globais ocorreu durante cúpula UE-Celac

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Bruxelas

Ao participar de uma reunião para discutir as eleições na Venezuela, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse nesta segunda (17) que a solução dos problemas do país deve partir da própria população.

A declaração, reportada inicialmente pelo jornal O Globo e confirmada pela Folha, foi feita em Bruxelas, em encontro com nomes do governo e da oposição venezuelana —a primeira do tipo de que o Brasil participa.

Além deles, estavam presentes os líderes de França, Colômbia e Argentina —respectivamente, Emmanuel Macron, Gustavo Petro e Alberto Fernández—, além do chefe da diplomacia da União Europeia (UE), Josep Borrell. Representando a Venezuela estavam a número 2 do regime, Delcy Rodríguez, e o ex-deputado Gerardo Blyde, principal negociador da oposição. O ditador Nicolás Maduro não viajou à Bélgica.

Na mesa, a partir da esq., a número 2 do regime da Venezuela, Delcy Rodríguez, os presidentes Lula, do Brasil, e Emmanuel Macron, da França e, na ponta, Gerardo Blyde, negociador da oposição venezuelana; de costas, do lado direito da foto, os presidentes Gustavo Petro, da Colômbia, e Alberto Fernández, da Argentina, em Bruxelas
Na mesa, a partir da esq., a número 2 do regime da Venezuela, Delcy Rodríguez, os presidentes Lula, do Brasil, e Emmanuel Macron, da França e, na ponta, Gerardo Blyde, negociador da oposição venezuelana; de costas, do lado direito da foto, os presidentes Gustavo Petro, da Colômbia, e Alberto Fernández, da Argentina, em Bruxelas - Emmanuel Dunand/Pool via Reuters

O encontro aconteceu durante a cúpula Celac-UE, que acontece nestas segunda e terça na capital belga. O evento reúne líderes dos 33 países da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e os 25 da UE. No debate sobre a Venezuela, eles discutiram durante uma hora e meia a situação política no país caribenho, as sanções impostas contra Caracas e o processo eleitoral para 2024, marcado por movimentos que sepultaram a perspectiva de uma eleição livre.

A participação de Lula na reunião em torno da Venezuela ocorre depois de uma série de falas controversas do presidente brasileiro em relação à ditadura latino-americana. Em junho, por exemplo, o petista minimizou críticas ao regime de Maduro alegando que a democracia é um conceito relativo.

Para reforçar seu argumento, ressaltou que a Venezuela teve mais eleições que o Brasil nos últimos anos —não mencionou, porém, que o pleito que reelegeu Maduro em 2018 é amplamente questionado e não foi acompanhado por observadores internacionais, como é praxe em eleições livres. Na última quinta (13), o líder da Assembleia Nacional da Venezuela, Jorge Rodríguez, um nome forte do chavismo, afirmou que nenhuma missão de observação da UE terá permissão para acompanhar as eleições de 2024.

Antes, em maio, em encontro com líderes sul-americanos em Brasília, que teve participação de Maduro, o brasileiro disse que as acusações de falta de democracia na Venezuela não passavam de uma narrativa.

Após as críticas que recebeu, inclusive de líderes de países vizinhos, como Uruguai e Chile, Lula chegou a desviar do assunto, dizendo que não estava a par dos detalhes sobre a inelegibilidade de opositores.

Uma pessoa próxima do presidente disse à Folha que os presentes na reunião na Bélgica argumentaram que as relações com a Venezuela só podem ser normalizadas após os dois lados da política venezuelana alcançarem um acordo acerca do pleito. Na reunião, Borrell reconheceu que, com a eleição de líderes da esquerda no Brasil e na Colômbia após gestões de direita, o diálogo com a Venezuela começou a avançar.

Petro, aliás, já vinha discutindo as próximas eleições em Caracas com Fernandéz e representantes da situação e da oposição venezuelanas, mas os dois não haviam estendido o convite ao governo brasileiro —o hoje ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) rompeu os laços diplomáticos entre Brasília e Caracas em 2020, tendo reconhecido o líder oposicionista Juan Guaidó como líder legítimo interino do país.

O objetivo dos encontros era abrir diálogo entre Maduro e a oposição, que disputarão as eleições em 2024. As primárias da oposição serão geridas por um grupo de partidos oposicionistas, já que não contarão com a estrutura do Conselho Nacional Eleitoral —os diretores do órgão renunciaram a seus cargos em junho, no que adversários interpretaram como uma tentativa de esvaziar a votação prévia.

O autoritarismo de Maduro segue forte no país, que recentemente barrou a candidatura de opositores. A principal representante da oposição, a ex-deputada María Corina Machado, que encabeçava as pesquisas, foi declarada inelegível por 15 anos, acusada de irregularidades administrativas ocorridas oito anos atrás.

Decisão semelhante foi tomada contra Guaidó, proibido de ocupar cargos públicos por 15 anos e acusado em 2019 de não explicar a origem dos fundos que utilizou para pagar viagens ao exterior. Henrique Capriles, duas vezes candidato à Presidência, também foi barrado por 15 anos, a partir de 2017, por supostas irregularidades administrativas de 2011 a 2013, quando era governador do estado de Miranda.

O autoritarismo na Venezuela remonta aos tempos do ex-presidente Hugo Chávez, mas foi depois que ele morreu, de câncer, em 2013, que Maduro, seu vice, passou a mostrar a face mais autoritária do regime. Ele criou uma Assembleia Constituinte para neutralizar a oposição, dominou o Tribunal Supremo de Justiça e se reelegeu em 2018 sob eleições muito questionadas.

Apesar das denúncias de violações de direitos humanos na Venezuela, alguns líderes mundiais se reaproximaram da ditadura nos últimos anos. Um deles foi Macron, que intensificou os diálogos com Maduro após a Guerra da Ucrânia afetar o fornecimento de gás e de petróleo da Rússia para a Europa.

No ano passado, o francês defendeu a "diversificação das fontes de abastecimento de petróleo" durante uma reunião do G7 e apontou para o Irã e a Venezuela –os dois são alvos de sanções dos EUA e da UE.

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