Rússia tenta atingir jovens com propaganda sobre Guerra da Ucrânia em games

No mundo virtual, jogadores adotam a letra Z, apoiam reivindicações territoriais russas e repetem Putin

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Steven Lee Myers Kellen Browning
San Francisco | The New York Times

A propaganda russa está se espalhando pelos videogames. No Minecraft, jogo imersivo de propriedade da Microsoft, jogadores russos reencenaram a batalha por Soledar, cidade da Ucrânia capturada pelas forças russas em janeiro, postando um vídeo do jogo na rede social mais popular de seu país, VKontakte.

Um canal no World of Tanks (mundo dos tanques), jogo de guerra para vários jogadores, comemorou em maio o 78º aniversário da derrota da Alemanha nazista com uma recriação do desfile de tanques da União Soviética no ano de 1945. Na popular plataforma de jogos Roblox, um usuário criou uma série de forças do Ministério do Interior, em junho, para comemorar o feriado nacional, o Dia da Rússia.

Recriação de desfile de tanques da União Soviética em game de guerra
Recriação de desfile de tanques da União Soviética em game de guerra - Reprodução

Esses jogos e sites de discussão adjacentes, como Discord e Steam, estão se tornando plataformas online para a "agitprop" russa, divulgando para novos públicos, principalmente mais jovens, uma torrente de propaganda com que o Kremlin tentou justificar a Guerra na Ucrânia.

Nesse mundo virtual, os jogadores adotaram a letra Z, símbolo das tropas russas que invadiram o país vizinho no ano passado; apoiaram reivindicações territoriais russas legalmente infundadas na Crimeia e em outros lugares; e repetiram as tentativas do líder russo, Vladimir Putin, de degradar os ucranianos como nazistas e de culpar o Ocidente pelo conflito. "Glória à Rússia", declarou um tutorial em vídeo sobre como construir um mastro com uma bandeira russa no Minecraft. Mostrava um estandarte sobre uma paisagem urbana chamada Lugansk, uma das províncias ucranianas que a Rússia anexou ilegalmente.

"O mundo dos jogos é uma plataforma que consegue impactar a opinião pública, atingir um público, especialmente os jovens", diz Tanya Bekker, pesquisadora da ActiveFence, empresa de segurança cibernética que identificou para o New York Times exemplos de propaganda russa no Minecraft.

O presidente da Microsoft, Brad Smith, revelou em abril que as equipes de segurança da empresa identificaram recentes esforços russos "para penetrar em algumas dessas comunidades de jogos", citando exemplos no Minecraft e nos grupos de discussão do Discord. Ele disse que a empresa americana aconselhou governos —que não foram identificados–, mas minimizou sua importância.

"Não é a coisa principal com que precisamos nos preocupar", disse Smith numa conferência econômica em Washington organizada pelo site de notícias Semafor. "Eles vão publicar informações em algum lugar. Acontece que é um bom lugar para eles divulgarem as informações."

O chefe da equipe de análise de ameaças da Microsoft, Clint Watts, disse a pesquisadores da Universidade de Nova York que o grupo paramilitar russo Grupo Wagner promoveu "narrativas malignas" no Discord e no Steam para endossar as opiniões do Kremlin. Também pode ter tentado encorajar os alistamentos quando as baixas russas em combate estavam cobrando um preço enorme.

"A propaganda procura principalmente fazer com que Wagner e os militares russos pareçam espertos e ameaçadores", disse Watts aos pesquisadores, que estavam examinando o extremismo nos videogames.

A Microsoft se recusou a responder a perguntas sobre os exemplos russos, exceto para dizer num comunicado que a empresa revisa o conteúdo que viola seus padrões da comunidade.

Embora parte do material reflita as opiniões dos russos comuns, outros exemplos sugerem envolvimento do governo. O alcance do Kremlin nos games mostra a tenacidade com que Putin procurou reforçar seus objetivos políticos usando redes sociais e produtos de consumo ocidentais, apesar do isolamento diplomático e econômico.

Após a invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022, a Microsoft anunciou que suspenderia novas vendas de produtos e serviços para a Rússia para cumprir as sanções impostas pelos Estados Unidos e pela Europa, mas os russos continuaram encontrando maneiras de usar seus jogos e sites como Discord e Steam para alcançar públicos mais amplos. Muitos exemplos estão em russo, sugerindo que o público-alvo está em casa ou entre falantes de russo em países vizinhos, incluindo a Ucrânia.

"A propaganda russa está tentando coisas novas para promover seu regime", diz Artem Starosiek, chefe da Molfar, consultoria ucraniana que analisa ameaças online.

Os pesquisadores da Molfar identificaram mais de uma dúzia de casos de propaganda pró-Kremlin em Minecraft, Roblox, World of Tanks, World of Warships, Fly Corp, Armored Warfare e War Thunder. Quase todos exaltaram a vitória soviética sobre a Alemanha nazista, tema que Putin usa para aumentar o apoio à guerra de hoje. Alguns deles tinham links para partidos políticos ou agências governamentais.

Não está claro que medidas a Microsoft ou outras empresas teriam tomado para bloquear os esforços russos. O Wargaming Group, criador de World of Tanks e outros jogos, com sede no Chipre, desmembrou seus negócios na Rússia e na Belarus em 2022 para o Lesta Studio, uma subsidiária em São Petersburgo.

Jacob Davey, chefe de pesquisa de movimentos de extrema direita e ódio no Instituto para o Diálogo Estratégico em Londres, disse que o Minecraft e outros jogos podem ser ferramentas úteis para quem procura influenciar jovens vulneráveis, especialmente se essas pessoas já se espalharam por grupos privados onde desejavam discutir ideologias marginais.

"Sabemos que atores hostis que buscam moldar mentes e influenciar pessoas são oportunistas", disse Davey, que estudou a gamificação de conteúdo extremista. "Eles vão aonde acham que poderão encontrar um público receptivo e adotam uma ampla gama de plataformas tecnológicas para divulgar mensagens."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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