Zelenski irrita aliados com pedidos para entrar na Otan

Autoridades dos EUA e do Reino Unido pedem mais gratidão de ucranianos; Kiev recebeu mais armas na cúpula

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São Paulo

O presidente Volodimir Zelenski atraiu críticas inéditas de aliados devido à sua insatisfação com a falta de um cronograma ou um convite para que a Ucrânia seja admitida na Otan, aliança militar ocidental que o apoia na guerra contra a invasão russa iniciada há 504 dias.

Ao lado do secretário-geral do grupo, Jens Stoltenberg, Zelenski voltou a se queixar. Ele, entretanto, baixou o tom da véspera e, conformado, disse que lhe faltam armas de longa distância. "Não vemos nenhum dos membros da Otan aqui em guerra, nenhum que esteja morrendo, sofrendo, defendendo seu próprio país. Por isso entendemos que as melhores garantias para a Ucrânia são estar na Otan", afirmou.

Biden e Zelenski chegam para reunião da Otan em Vilnius com o secretário-geral da entidade, Stoltenberg (atrás deles, de óculos)
Biden e Zelenski chegam para reunião da Otan em Vilnius com o secretário-geral da entidade, Stoltenberg (atrás deles, de óculos) - Ludovic Marin/AFP

Na terça (11), ele disse antes de viajar para a cúpula em Vilnius, na Lituânia, que a falta de um cronograma ou convite formal para entrar no clube de 32 membros liderado pelos EUA era "um absurdo".

Ao longo do dia, quando ficou claro que a pressão não ia resultar em nada além de mais promessas de ajuda militar em um comunicado formal, Zelenski foi assumindo uma postura menos aguerrida, agradecendo a ajuda dos aliados que sustentam seu esforço contra as forças comandadas por Vladimir Putin.

Nesta quarta, o tom conformista predominou, ao lado de raros sinais públicos de impaciência ocidental. O secretário de Defesa britânico, Ben Wallace, cobrou mais gratidão de Zelenski. "Gostemos ou não, as pessoas gostam de ver um pouco de gratidão. Às vezes, você está pedindo aos países para abrirem mão de seus estoques [de armas]."

Ele disse que viajou a Kiev certa vez e foi recebido com uma lista de pedidos. "Sabe, não somos a Amazon", afirmou, em referência à empresa de encomendas online. Seu chefe, o premiê Rishi Sunak, tentou contemporizar, sem sucesso. E Zelenski partiu para a ironia, após dizer que "não havia entendido" o comentário de Wallace. E disse que poderia "acordar de manhã e expressar palavras de agradecimento pessoalmente ao ministro". "A Ucrânia sempre foi grata ao Reino Unido."

Em um evento paralelo na cúpula, um fórum aberto, o conselheiro de Segurança Nacional americano, Jake Sullivan, perdeu a paciência quando foi provocado por um ativista ucraniano se a posição dos EUA de evitar a entrada de Kiev na Otan tinha a ver "com medo de a Rússia perder e a Ucrânia ganhar".

"O povo americano merece algum grau de gratidão", afirmou, irritado, embora não estivesse se dirigindo diretamente ao presidente aliado. "Os EUA enviaram uma enorme capacidade para garantir que os bravos soldados ucranianaos tenham munição, defesa aérea, infantaria, veículos blindados."

Mais cedo, Zelenski havia ensaiado comedimento. "Ninguém quer uma guerra mundial, somos civilizados, boas pessoas. Entendemos, é absolutamente claro" que não é possível entrar na Otan estando em guerra, disse. Na outra ponta, o norueguês Stoltenberg, recém-conduzido a mais um ano no cargo que ocupa desde 2014, afirmou que "garantias, documentos e encontros de conselho são importantes, mas a tarefa mais importante agora é assegurar armas suficientes para o presidente Zelenski e suas Forças Armadas".

O secretário-geral voltou a dizer que a "Ucrânia está mais perto do que nunca" da Otan, ressaltando a criação do conselho entre a entidade e o país em guerra, além do fato de que foi removido um instrumento chamado MAP, que obriga anos de análises para eventuais acessos ao clube. Nas suas palavras, agora só faltará um passo, não dois para um ingresso futuro.

O presidente afirmou que "o déficit continua" no campo das armas de longa distância. Na véspera, a França havia prometido fornecer mísseis de cruzeiro SCALP-EG, similares aos Storm Shadow já enviados pelo Reino Unido. São armas de precisão com alcance variável, mas entre 250 km e 300 km.

Há grande estoque na Otan desses mísseis: antes da guerra, estima-se que havia 850 deles com Londres, 450 com Paris, além de 190 com a Itália e 180 com a Grécia. Mas essas são armas caras, R$ 15 milhões a unidade, e Zelenski parece estar de olho em outro modelo mais atrativo: o MGM-140 ATCMS (Sistema de Míssil Tático do Exército) americano, que custa talvez metade do preço.

Ele é mais fácil de operar, sendo lançado de terra, não de aviões, em falta para Kiev. É um míssil balístico com 300 km de alcance e alta precisão. Biden reluta em fornecer tais armas, temendo que sejam usadas contra território russo, como nos bombardeios constantes a Belgorodo, na fronteira com a Ucrânia.

Zelenski falou sobre isso com o presidente americano. Na entrevista, ele agradeceu o democrata por ter tomado a "desafiante" decisão de enviar bombas de fragmentação para seu país empregar na contraofensiva que se arrasta desde o começo de junho.

As armas são proibidas por 111 países, 23 dos quais da Otan, e muitos criticaram os americanos pelos riscos à população após seu uso —pequenas bombas no interior de projéteis se espalham pelo ambiente, e muitas não detonam, tornando-se um risco perene após os canhões se calarem.

Depois do encontro, Zelenski postou no Twitter que "o povo ucraniano espera" pontos específicos, daí a frustração, e focou a falta de condições de segurança para entrar na Otan. Nem uma palavra sobre a citação feita por Biden em entrevista anterior, de que havia critérios como instituições democráticas e combate a corrupção a serem atingidos por Kiev.

Mais tarde, voltando a Kiev, ele assoprou de novo, gravando um vídeo no qual disse que "as fundações para a entrada da Ucrânia" estão dadas, citando também a promessa de apoio recebido na cúpula pelo G7, o clube das sete economias mais desenvolvidas do mundo.

O desempenho ucraniano na sua ação é o sujeito oculto das reservas ocidentais. Só vocalizaram apoio à entrada imediata da Ucrânia, ou ao menos um cronograma firme, Reino Unido e países do leste do bloco, como a Polônia. Os gigantes EUA, Alemanha e França capitanearam a prudência.

Seja como for, Zelenski não saiu de mãos vazias. Berlim ofereceu um suculento pacote de R$ 3,8 bilhões com mais 40 blindados e 25 tanques, ainda que modelos antigos reformados, além de outras armas. A França prometeu mísseis, que se vierem em boa quantidade podem fazer diferença, Reino Unido, Austrália e outros fizeram anúncios menores. Os desejados caças americanos F-16, por ora, estão só no horizonte.

A principal derrota política de Putin na cúpula, contudo, foi o fim do veto turco à entrada da Suécia na aliança, o que ainda deve demorar um pouco, mas coloca fim à novela iniciada no ano passado. Em troca, Recep Tayyip Erdogan engorda seu capital político, deve enfim receber caças F-16 dos EUA, poderá ver a reabertura de negociações de adesão à União Europeia e provavelmente terá mais pressão sobre dissidentes de seu país na Suécia.

Putin, por sua vez, nada pode fazer além de reclamar, dado que hoje depende mais da amizade de Erdogan, que não adotou sanções contra a Rússia e tem diversos negócios em comum. Com efeito, a queixa do dia do Kremlin foi vaga, sobre a Otan "aumentar a insegurança e os riscos" com as promessas de garantias à Ucrânia.

China volta a protestar, mas de forma protocolar

Nesta quarta, a China voltou a protestar contra os termos do comunicado da cúpula da Otan, que classificam as ações do país asiático de desafio à segurança do bloco. O porta-voz diplomático Wang Wenbin disse que isso não passa de provocação.

Mas foi protocolar, assim como a queixa da missão junto à União Europeia. O fato é que as frases estão lá, mas a disposição mais agressiva promovida pelos EUA, rivais de Pequim na Guerra Fria 2.0, foram atenuadas principalmente por pressão europeia —países como França e Alemanha priorizam as relações comerciais com os chineses.

Com efeito, a abertura esperada de um escritório da Otan em Tóquio foi deixada de lado por ação francesa. Stoltenberg ainda tentou dourar a pílula, assinando um memorando com o premiê Fumio Kishida e chamando o país asiático de principal aliado do bloco na região.

Kishida e líderes de Coreia do Sul, Austrália e Nova Zelândia foram a Vilnius, na segunda vez seguida que o grupo chamado Ásia-Pacífico-4 é chamado para uma cúpula da Otan. Mas o tom geral ficou bem mais ameno do que se esperava, até porque Biden está em um processo de normalização relativa de laços com Xi Jinping.

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