Descrição de chapéu The New York Times

Ônibus cruza EUA para unir pais que perderam os filhos em massacres em escolas

'Pior clube imaginável' serve de rede de apoio para famílias de vítimas de tiroteios e luta por mudanças nas leis

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Mike Baker
Uvalde (Texas) | The New York Times

Manuel e Patricia Oliver já estavam na estrada havia mais de uma semana quando estacionaram o ônibus escolar com uma bandeira dos Estados Unidos em um parque em Uvalde, no Texas. Eles não tinham certeza de quantas pessoas iriam recebê-los naquele dia de sol escaldante.

Então as famílias começaram a chegar. Pais, avós, irmãos e outros parentes de algumas das 22 pessoas mortas no ano passado na escola Robb entraram no parque, abraçando os Oliver e uns aos outros. O mesmo movimento aconteceu com uma mulher que perdeu a filha num tiroteio em um colégio em Santa Fé, no Texas, em 2018, quando dez pessoas foram assassinadas.

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Manuel Oliver, um pai de Parkland, dirige o ônibus escolar, acompanhado de Brett Cross, que perdeu um parente em Uvalde - Victor J. Blue -11.jul.23/The New York Times

Os Oliver, que cruzaram metade dos EUA para chegar a Uvalde, carregam sua própria história: o filho deles, Joaquin, foi um dos 17 mortos na escola Marjory Stoneman Douglas, em Parkland, na Flórida, há 5 anos.

O casal estava no Texas num dia de julho para encontrar outros que, como eles, também tinham tido a vida transformada pela violência. E também para, junto com eles, trabalhar para evitar que tragédias como as que eles viveram se repitam. "Estou tentando ajudar e também ser ajudado", diz Manuel Oliver. "Todos sabemos que há outros como nós. E se começarmos a fazer planos juntos? E se pudermos nos apoiar?"

À medida que os assassinatos em massa se repetem em escolas, shopping centers e casas de show e boates em todo o país, um grupo cada vez maior de famílias se veem ligadas umas às outras por uma dor insondável. Em telefonemas noturnos e reuniões pessoais, eles compartilham conselhos e lágrimas com outros pais que testemunharam massacres anteriores, sabendo que ninguém pode entender tão bem o que significa perder um filho de forma tão violenta e pública quanto eles.

Rhonda Hart, mãe de uma criança morta no massacre de Santa Fé, foi ao evento de Uvalde porque alguns dos presentes estão hoje entre seus amigos mais próximos. Todos fazem parte do "pior clube imaginável".

Os Oliver usaram este verão no hemisfério Norte para viajar pelo país em um ônibus escolar reformado, parando para lembrar vítimas de massacres em mais de 20 de lugares que alcançaram a fama de maneira dolorosa. Entre eles estavam Littleton, no Colorado (13 mortos em 1999); Aurora, também no Colorado (12 mortos em 2012); Charleston, na Carolina do Sul (nove mortos em 2015); Orlando, na Flórida (49 mortos em 2016); Las Vegas, em Nevada (58 mortos em 2017); e Nashville, no Tennessee (6 mortos neste ano).

Nas próximas semanas, suas paradas incluirão visitas a Newtown, em Connecticut (26 mortos em 2012), e depois à sede da ONU, em Nova York, e ao Capitólio, em Washington. O esforço é financiado pela organização sem fins lucrativos criada pelo casal, Change the Ref (mude a referência, em inglês).

Ao chegar a Uvalde, assolada por um calor de 38°C, Patricia Oliver disse que eles estavam motivados pois seu filho, Joaquin, era um ativista em temas que iam de discriminação a violência armada. Ao seu lado, Sam Schwartz —cujo primo Alex Schachter também morreu em Parkland— observou que, desde que a excursão começou, em 3 de julho, houve dezenas de incidentes com quatro ou mais pessoas baleadas.

As famílias agora pressionam por mudanças em diversas frentes. Os Oliver montaram estandes em que exibem coletes à prova de balas para evidenciar o absurdo da violência armada nos EUA e lideraram uma manifestação no Congresso. Na Comic-Con, em San Diego, apresentaram um boneco cabeçudo que xinga a Associação Nacional do Rifle (NRA). Ainda publicaram um livro infantil chamado "Joaquin's First School Shooting", o primeiro tiroteio na escola do Joaquin, em inglês —cada página apresentava dois furos.

Os Oliver também usaram tecnologia de inteligência artificial para produzir um vídeo em que seu filho morto discursa sobre violência armada. Em março, Manuel Oliver foi preso após interromper uma audiência da comissão da Câmara em apoio ao porte de armas convocada por republicanos.

Joaquin, que aos 17 anos escrevia poesia e jogava basquete, foi morto diante dos colegas de uma aula de escrita criativa quando um homem de 19 anos passou a atirar nos alunos em corredores e salas com um fuzil AR-15. O tiroteio inspirou os sobreviventes de Parkland a liderar a campanha Marcha por Nossas Vidas, para pressionar congressistas a agir. A turnê, segundo os Oliver, foi uma extensão desses esforços.

O dia no Texas começou em Austin, a capital, onde o grupo implorou aos legisladores locais que tomassem medidas para conter a violência armada. Depois de três horas de estrada até Uvalde, eles visitaram memoriais pela cidade, onde deixaram rochas pintadas por famílias da Flórida.

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Manuel e Patricia Oliver assistem a uma transmissão durante almoço com os pais das vítimas do tiroteio na escola Uvalde, no Texas - Victor J. Blue - 11.jul.23/The New York

Brett Cross, tio e guardião de Uziyah Garcia, 10, uma das crianças mortas em Uvalde, entrou no ônibus e ajudou a conduzi-lo. Durante o passeio, um voluntário editava videoclipes em um laptop. Outro coordenava um evento em Chicago. Patricia Oliver compartilhava fotos com apoiadores do movimento de sua cidade.

O ônibus passou por um buraco, e Cameron Kasky, ex-aluno de Parkland que ajudou a organizar o Marcha por Nossas Vidas, segurava uma pilha de caixas com bonecos cabeçudos anti-NRA. No evento no parque, famílias vindas de Parkland e de Santa Fé falaram para a multidão e reuniram câmeras de TV, instando os que não foram afetados por massacres a se engajarem em sua luta. Hart convocou as pessoas a votar.

Uma tela de vídeo no ônibus mostrou imagens e vídeos das muitas crianças assassinadas em Uvalde.

Parentes delas, agora junto de outras famílias, também se manifestaram. Kim Rubio, mãe de Lexi Rubio, disse que se questionava por que as imagens de seus filhos não eram suficientes para fazer as mudanças necessárias. Vincent Salazar, avô de Layla Salazar, disse que as crianças tinham medo de ir à escola. Ana Rodriguez, mãe de Maite Rodriguez, defendeu a proibição dos chamados "fuzis de assalto".

Julissa Cazares Rizo, tia de Jacklyn Cazares, outra vítima de Uvalde, alertou: "Nunca pensamos que isso aconteceria conosco. Não pense por um segundo que não vai acontecer com você".

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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