Descrição de chapéu
Guerra da Ucrânia Rússia

Lula modula discurso e evita polêmicas em sua volta à ONU

Presidente foca em consensos e, com a reunião esvaziada, apenas cita reforma da entidade

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Após passar os meses iniciais de seu terceiro mandato tentando forçar sua presença em fóruns internacionais com posições abrasivas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) modulou seu discurso na volta ao púlpito da Assembleia-Geral da ONU.

Nesta terça (19), quase 20 anos após sua estreia no plenário em Nova York, Lula preferiu apostar em temas mais consensuais, nos quais suas críticas aos países ricos costumam ser acompanhadas, na retórica pelo menos, pelos próprios alvos de admoestação.

Lula durante seu discurso na abertura da Assembleia-Geral da ONU, em Nova York
Lula durante seu discurso na abertura da Assembleia-Geral da ONU, em Nova York - Ed Jones/AFP

A prática, claro, pode ser diferente, mas nenhum chefe de Estado de país rico contesta a ideia de que é necessário trabalhar contra a desigualdade e a aceleração da crise climática. O embate entre o Brasil e a União Europeia sobre o tema, que ameaça enterrar de vez a longa discussão de um acordo de livre-comércio do bloco com o Mercosul, é bom exemplo disso.

Mas ao falar sobre a Guerra da Ucrânia, cujas posições brasileiras sempre foram alvo de crítica no Ocidente, Lula deu uma no cravo, outra na ferradura. Disse que é preciso promover "cultura da paz" e incentivar o espaço para negociações, reclamando de violações da Carta da ONU.

Nada novo: o Brasil, afinal, condenou a invasão russa nas duas votações das Nações Unidas. Mas também criticou, e Lula o fez novamente nesta terça, o regime de sanções contra Moscou, não nomeada, como ineficaz e punitivo.

A linha histórica do Itamaraty é essa, e foi aplicada desde que Jair Bolsonaro (PL) visitou Vladimir Putin uma semana antes da invasão, em fevereiro de 2022. Nisso, nada difere Lula do antecessor, por mais que a polarização vigente os coloquem em planetas diferentes na visão de seus apoiadores.

Mas não se viu de Lula uma defesa aberta de Putin, como fez há pouco ao rejeitar a ordem do Tribunal Penal Internacional para prender o russo, como se o presidente brasileiro tivesse algum poder legal sobre isso. Ou ainda uma crítica a Volodimir Zelenski, o presidente ucraniano com quem Lula deverá encontrar-se nesta quarta (20).

Mais importante, Lula falou quase de forma lateral sobre uma pedra de toque da diplomacia brasileira, a reforma do Conselho de Segurança, uma das poucas instâncias executivas da ONU. O qualificou de obsoleto, dado que seus membros promovem "guerras não autorizadas" para "mudar regimes" (crítica aos EUA e ao Reino Unido datada dos tempos da Guerra ao Terror, que Biden enterrou) e "aumentar territórios" (foco na Rússia).

Antes dele, o próprio secretário-geral da ONU, o português António Guterres, havia sido mais incisivo acerca da necessidade de reforma. Até o americano Joe Biden citou o tema em seu discurso. Por ora, é tudo retórica, de resto já adotada pela China e pela Rússia anteriormente.

O difícil é saber como a arquitetura irá mudar e, principalmente, se ela será eficaz. O mundo hoje está dividido por uma lógica de blocos, cada vez mais aguda. O esvaziamento da ONU não se traduz apenas na algo previsível ausência de alto nível da China e da Rússia, rivais dos EUA na Guerra Fria 2.0, mas também pela falta do premiê indiano, Narendra Modi.

O país asiático é aquilo que o Brasil gostaria de ser nas relações internacionais. Potência nuclear, tem boas relações com a Rússia, é cortejado pelo Ocidente, tem um mercado potencial de 1,3 bilhão de pessoas e uma economia em ascensão. Tem também graves problemas de desigualdade e instabilidade política, mas a ausência de sua voz hoje é mais relevante do que o tom adotado por Lula.

Por fim, Lula fez o previsto e lançou biscoitos para sua base à esquerda. Critiou o embargo americano a Cuba e, ao falar sobre liberdade de imprensa, disse novamente ser absurda a prisão do ativista Julian Assange, que aguarda no Reino Unido extradição para os EUA devido aos segredos vazados por seu site WikiLeaks.

Sobrou também para Bolsonaro, citado indiretamente como um autoritário de extrema-direita. Ali, Lula beneficiou-se dos quatro anos de exílio voluntário do Brasil de fóruns relevantes, devido às maquinações ideológicas do seu antecessor —explícitas nos discursos com toques delirantes na ONU, em particular em 2019 e 2020.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.