Descrição de chapéu
guerra israel-hamas

Palestinos são únicos sem razão para comemorar decisão de Haia

África do Sul comemora pronunciamento, Israel contesta foro, e palestinos seguem sob bombardeios há 111 dias

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

João Paulo Charleaux

Jornalista e autor de “Ser Estrangeiro – Migração, Asilo e Refúgio ao Longo da História”, trabalhou no Comitê Internacional da Cruz Vermelha

Todos têm algo a comemorar em relação às medidas anunciadas nesta sexta-feira (26) pela Corte Internacional de Justiça —menos os palestinos.

A África do Sul, que moveu a ação, celebra a ordem para que Israel respeite os limites da lei ao conduzir suas operações militares em Gaza. Já o lado israelense comemora o fato de os juízes terem dito apenas isso. Na prática, não faz muita diferença para quem está há 111 dias sob bombardeios. Do ponto de vista das vítimas, a única vitória celebrável seria uma ordem de cessar-fogo imediato, que não veio.

Sul-africanos se reúnem na Cidade do Cabo para assistir à decisão do Tribunal Internacional de Justiça - Gianluigi Guercia/AFP

A Corte Internacional de Justiça, sediada em Haia, na Holanda, é a mais alta instância judicial das Nações Unidas. Ela arbitra questões entre Estados, não julga pessoas, atribuição esta do Tribunal Penal Internacional.

As medidas ditadas nesta sexta são uma espécie de ação cautelar para impedir imediatamente a ocorrência de ilegalidades, enquanto os 15 juízes se debruçam sobre o verdadeiro mérito do processo movido pela África do Sul, que é determinar se Israel comete ou não o crime de genocídio contra os palestinos, nos termos da convenção de 1948, que entrou em vigor em 1951.

Os sul-africanos comemoraram o simples fato de os juízes terem se pronunciado sobre o caso, o que é importante num contexto no qual Israel argumenta que essa instância sequer teria jurisdição para tratar do assunto. Eles também se agarram no fato de a Corte ter sinalizado que Israel deve tomar medidas para "prevenir que aconteça" o crime de genocídio, o que foi interpretado como uma indicação de que o objeto da demanda, em si, é plausível.

Já os israelenses mantiveram a postura de rechaçar como absurdas quaisquer acusações de genocídio e contestar a Corte como foro competente. O governo israelense argumenta que apenas exerce seu direito legítimo à defesa quando ataca alvos do Hamas em Gaza, em resposta aos ataques sofridos em 7 de outubro. Na versão israelense, as mortes de civis são colaterais, não fruto de uma campanha deliberada de exterminação de um povo.

Nada disso foi resolvido na sessão. As medidas foram uma reiteração do óbvio, num momento em que defender o óbvio vinha se tornando uma ambição inalcançável. O cessar-fogo era uma expectativa irreal, pois nem o Conselho de Segurança da ONU foi capaz de pô-lo em prática, quando tentou.

O que os juízes fizeram foi dizer apenas que Israel deve se ater às leis às quais espontaneamente aderiu. Trata-se de uma repetição do que já vinha sido dito antes por líderes internacionais, incluindo aliados do governo israelense: não ataquem civis deliberadamente, não submetam a população a deslocamentos massivos forçados, não impeçam ou dificultem que as vítimas tenham acesso à ajuda humanitária, punam quem cometer esses crimes e quem fizer discursos políticos nessa direção. Por fim, mandem um relatório mostrando que cumpriram a decisão.

A Corte não tem dentes, é uma instância que não tem como forçar as medidas que dita. Quem faria isso seria o Conselho de Segurança. Mas o único órgão com a prerrogativa de autorizar o uso da força nas relações entre os Estados está paralisado politicamente.

Na prática, pouco muda, pois Israel diz que já conduz suas operações dentro dos limites de uma lei da guerra que dá como certa a ocorrência de danos colaterais aos civis, sem especificar medidas e proporções.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.