Israel atira em civis que faziam fila por ajuda em Gaza; Hamas fala em 112 mortos

Tel Aviv afirma que episódio de violência começou com palestinos e admite responsabilidade por dez mortes

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São Paulo

A facção palestina Hamas acusou as Forças de Defesa de Israel de dispararem contra centenas de civis que aguardavam em fila para receber ajuda alimentar em uma região próxima à Cidade de Gaza, a principal da faixa homônima, nesta quinta-feira (29).

Palestinos recebem atendimento no hospital Kamal Edwan, em Beit Lahia, na Cidade de Gaza, após serem feridos; o Hamas atribui o ataque às tropas de Israel
Palestinos recebem atendimento no hospital Kamal Edwan, em Beit Lahia, na Cidade de Gaza, após serem feridos; o Hamas atribui o ataque às tropas de Israel - AFP

O grupo terrorista contra o qual Israel está em guerra há quase cinco meses afirmou que ao menos 112 pessoas morreram e que outras 280 ficaram feridas. Em um comunicado, acusou Israel de "uma guerra genocida" e de cometer "assassinatos em massa e uma limpeza étnica".

Porta-vozes militares de Israel afirmaram que o episódio de violência partiu dos próprios palestinos. De acordo com as Forças de Defesa, civis começaram a saquear os cerca de 30 caminhões de ajuda e a se empurrar, deixando pessoas feridas e mortas por serem pisoteadas e atropeladas pelos veículos.

Depois, um pequeno grupo teria ido em direção a soldados e a um tanque israelense, que teria dado tiros de advertência e, em seguida, atingido "aqueles que eram uma ameaça e não se afastaram". De acordo com a imprensa israelense, as Forças de Defesa dizem que teriam matado menos de dez palestinos nesse momento, não os 112 apontados pelo Hamas, uma vez que estariam acuadas e se vendo sob ameaça.

Entretanto, o diretor do hospital Kamal Adwan disse que a unidade recebeu cerca de cem pessoas feridas à bala, de acordo com o jornal New York Times, contradizendo a versão israelense. O hospital também teria recebido 12 mortos baleados.

Um oficial israelense, falando à agência de notícias Reuters em condição de anonimato, disse que os soldados mataram um número desconhecido de palestinos "em uma resposta limitada".

Os Estados Unidos, principal aliado de Israel, disseram que o caso é "extremamente alarmante" e que precisa ser investigado. Uma porta-voz da Casa Branca disse também que as mortes demonstram a necessidade de que Israel permita a entrada de mais auxílio humanitário na Faixa de Gaza.

Um porta-voz do governo do premiê Binyamin Netanyahu chamou o episódio de tragédia. "Os caminhões ficaram sobrecarregados, e as pessoas que dirigiam os caminhões, que eram motoristas civis de Gaza, avançaram sobre as multidões, matando, de acordo com o que entendi, dezenas de pessoas", disse Avi Hyman a repórteres.

O episódio teria começado durante a madrugada no horário local, quando cerca de 30 caminhões de ajuda humanitária chegaram ao bairro de Rimal, na Cidade de Gaza, para entregar suprimentos. Os militares divulgaram vídeo com imagens aéreas que dizem ser do momento das mortes. Nas cenas, é possível ver centenas de pessoas correndo para o entorno dos caminhões e subindo neles.

As mortes ocorreram em uma área densamente povoada da Faixa de Gaza e cercada de estruturas sensíveis, como campos de refugiados e dois importantes hospitais: o Shifa, que chegou a ser invadido por Israel em novembro, e o Ahli Arab, alvo de uma explosão que matou centenas de pessoas no início da guerra.

O Departamento de Estado americano afirmou que os EUA estão "urgentemente atrás de informações" sobre o que aconteceu e que estão em contato com as autoridades israelenses. "Se tem algo que as imagens aéreas do incidente deixam claro é que a situação é desesperadora. As pessoas precisam de mais comida, de mais água, de mais remédios e de outros auxílios humanitários, e precisam disso agora", disse o porta-voz Matthew Miller. Ele acrescentou que o número de mortes de civis em Gaza "é alto demais".

Imagem aérea granulada em preto e branco mostra o que parecem ser pessoas se reunindo ao redor de caminhões
Imagem divulgada pelo exército israelense mostra palestinos se aglomerando ao redor de caminhões de ajuda humanitária na Faixa de Gaza - Aline Manoukian - 29.fev.2024/AFP/Exército de Israel

Apesar da pressão por mais auxílio humanitário, os EUA têm mantido o forte apoio a Israel tanto no campo diplomático, barrando três vezes resoluções no Conselho de Segurança da ONU que pediam por um cessar-fogo na região, quanto militar —o Pentágono informou nesta quinta que entregou cerca de 21 mil munições guiadas de precisão a Israel desde o início do atual conflito.

O presidente Joe Biden disse nesta quinta que as mortes devem complicar as negociações para um cessar-fogo. Anteriormente, o próprio Biden havia dito que havia expectativas para uma nova trégua na próxima segunda (4). Agora, diz que esse prazo já não é mais realista dadas as recentes mortes.

Imagem aérea em preto e branco mostra centenas de pessoas ao redor de caminhões
Imagem divulgada pelo Exército de Israel mostra palestinos se aglomerando ao redor de caminhões de ajuda humanitária em Gaza - Aline Manoukian - 29.fev.2024/AFP/Exército de Israel

Também nesta quinta, o Ministério da Saúde de Gaza —controlado pelo Hamas, uma vez que o grupo governa a Faixa desde a segunda metade dos anos 2000— disse que o número de pessoas mortas chegou a 30 mil. Acredita-se que a cifra englobe civis e combatentes, e a facção trata a todos como mártires.

Ainda no comunicado, o Hamas pediu que todos os cidadãos de nações árabes e islâmicas protestem "contra o massacre do povo palestino" e pressionem seus respectivos governos para que tomem uma posição "contra crimes de guerra israelenses".

Jordânia e Egito foram os primeiros a se manifestar. Em nota, a chancelaria jordaniana disse que condena "o brutal ataque das forças de ocupação israelenses contra palestinos que apenas esperavam ajuda". Já a chancelaria egípcia descreveu o ataque como desumano. "Consideramos o ataque a civis que estavam apenas aguardando ajuda um crime vergonhoso e uma violação do direito internacional."

Em comentários separados, o alto comissário de direitos humanos da ONU, o austríaco Volker Türk, disse que crimes de guerra foram cometidos por todas as partes no atual conflito no Oriente Médio. "Já passou da hora de paz, investigação e responsabilização", disse.

Turk apresentava um relatório sobre a situação dos direitos humanos em Gaza e na Cisjordânia ocupada e disse que seu escritório registrou "muitos incidentes que podem constituir crimes de guerra pelas forças israelenses" e que há indicações de que tropas de Israel se envolveram em "ataques indiscriminados ou desproporcionais".

Mas também salientou que grupos armados palestinos, como o Hamas e o Jihad Islâmico, lançaram projéteis em todo o sul de Israel e também detiveram centenas reféns, em mais uma lista de violações ao direito humanitário internacional.

O secretário-geral das Nações Unidas, o português António Guterres, disse nesta quinta que a ONU não consegue entregar auxílio humanitário para o norte de Gaza em mais de uma semana, e voltou a pedir por um cessar-fogo e pela libertação incondicional dos reféns.

O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, anunciou que seu país vai suspender compras de armas de Israel como resposta às mortes. Em uma publicação no X, Petro afirmou que o que aconteceu "se chama genocídio e lembra o Holocausto, ainda que não agrade às potências mundiais reconhecê-lo". Disse ainda que o mundo deve impor sanções ao primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu.

O chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, também se manifestou em redes sociais. "Estou horrorizado com as informações sobre uma nova carnificina de civis em Gaza que buscavam desesperadamente obter ajuda humanitária. Essas mortes são totalmente inaceitáveis."

Com Reuters

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