Primeiro-ministro do Haiti renuncia em meio a crise de segurança do país

Impopular Ariel Henry comandava nação de modo interino desde o assassinato do presidente Jovenel Moïse, em 2021

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Porto Príncipe (Haiti) | Reuters

O primeiro-ministro do Haiti, Ariel Henry, aceitou renunciar ao cargo e ceder o poder a um governo de transição em meio à grave crise de segurança que assola o país. Ele anunciou a decisão na madrugada desta terça-feira (12), em um vídeo publicado nas redes sociais do governo.

O primeiro-ministro do Haiti, Ariel Henry, renuncia ao cargo ao se dirigir à nação em vídeo - Primeiro-Ministro da República do Haiti no X/via Reuters

"Há mais de uma semana, nosso país vive um aumento dos atos de violência contra a população", afirmou Henry, 74. "O governo que dirijo não pode permanecer indiferente."

Após o anúncio, vídeos nas redes sociais mostraram haitianos celebrando nas ruas da capital, Porto Príncipe, dançando em clima de festa e soltando fogos de artifício.

O agora ex-premiê será substituído por um "conselho de transição presidencial" cujo objetivo é abrir caminho para as primeiras eleições no país desde 2016.

Além de políticos, membros de diversos grupos sociais, como a iniciativa privada, a sociedade civil e entidades religiosas devem integrar o colegiado. Suas tarefas incluem a nomeação de um primeiro-ministro interino e de um gabinete de ministros, além do estabelecimento de um órgão eleitoral provisório para facilitar o pleito presidencial no futuro.

O cronograma para a implementação do projeto depende, porém, de uma garantia de segurança mínima.

O Quênia, que liderará uma missão autorizada pela ONU no ano passado, conseguiu superar no começo do mês a oposição interna ao projeto e disse que enviaria seus policiais à ilha. Esse era o pré-requisito para que outras nações envolvidas na operação, africanas e caribenhas em sua maioria, também mandassem suas forças.

Mas além da incerteza sobre o financiamento da operação, que já lançava dúvidas sobre o seu início na prática, o agravamento da crise política desmobilizou de vez os esforços do país africano, que anunciou nesta terça a suspensão do envio de policiais ao Haiti.

A renúncia de Henry havia sido antecipada por Irfaan Ali, presidente da Guiana e atual líder da Caricom (Comunidade do Caribe), após uma reunião em caráter de urgência do grupo ocorrida na vizinha em Kingston, na Jamaica, na véspera.

Um dos presentes, o chefe da diplomacia dos Estados Unidos, Antony Blinken, disse na ocasião que aquele era um momento "crucial" para uma intervenção, uma vez que o aprofundamento da violência das gangues e grupos armados já ameaçava derrubar o governo.

O americano também anunciou a doação de US$ 100 milhões (R$ 498 milhões) para apoiar a força internacional que ocuparia o país caribenho, elevando para US$ 300 milhões (quase US$ 1,5 bilhões) o montante prometido à nação em crise por Washington desde que esta se intensificou.

Mas um porta-voz da ONU afirmou que, deste valor, menos de US$ 11 milhões (R$ 55 milhões) haviam sido depositados no fundo do organismo multilateral para a questão até a segunda-feira.

Os EUA ainda declararam que Henry seria bem-vindo em seu território caso se sentisse inseguro no Haiti. O ex-premiê não retorna a seu país natal desde o final de fevereiro, quando embarcou para uma viagem ao Quênia buscando justamente garantir a liderança do país africano na missão para ajudar a polícia a combater as gangues armadas.

A escalada drástica de violência em Porto Príncipe nos últimos dias impediu o avião de aterrissar no aeroporto da cidade, e ele seguiu para o território americano de Porto Rico depois que a vizinha República Dominicana, que no ano passado fechou sua fronteira com o Haiti, também negou autorização de pouso à aeronave.

Henry assumiu o cargo de primeiro-ministro em julho de 2021, cerca de duas semanas depois do assassinato a tiros do presidente Jovenel Moïse, que o tinha indicado ao posto.

Dois meses depois, foi acusado pela Procuradoria-Geral de ter participado do crime. Henry demitiu o responsável pela acusação e adiou indefinidamente as eleições, segundo ele para que a segurança fosse restabelecida.

Seu governo vinha atuando interinamente desde então —mas não sem a oposição da população local, que o considera um político corrupto cuja ascensão ao poder foi ilegítima.

Outra das principais forças contra o premiê é o crime organizado. Desde o final do ano passado, Jimmy "Barbeque" Cherizier, líder da aliança de gangues G9, foi mais de uma vez às ruas convocar um movimento armado para derrubar o primeiro-ministro, travestindo-se de defensor da soberania haitiana.

Nos últimos dias, a fuga em massa de cativos do sistema penitenciário e tiroteios intensos perto do Palácio Nacional, na capital, levaram o governo a decretar estado de emergência, estabelecendo um toque de recolher noturno vigente até pelo menos a próxima quinta-feira (14), e a fechar o principal porto de carga de Porto Príncipe.

Parte dos habitantes da ilha ainda é contrária a uma nova intervenção estrangeira no país. A Minustah (Missão das Nações Unidas para Estabilização no Haiti), que atuou no país caribenho entre 2004 e 2017 sob a liderança do Brasil, é lembrada por muitos com ambivalência.

As tropas da paz da ONU que estiveram no país no período foram responsáveis por introduzir a cólera no território, provocando uma epidemia que deixou mais de 10 mil mortos, e vários dos chamados "capacetes brancos" foram acusados de abusar sexualmente de mulheres haitianas.

A essas tragédias somaram-se, naqueles anos e nos seguintes, a pandemia de Covid-19 e desastres naturais que incluíram a passagem de diversos ciclones tropicais e dois terremotos devastadores, um em 2010 e outro em 2021.

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