Descrição de chapéu Eleições EUA

Pesquisadores dizem em podcast que EUA de Trump não seriam isolacionistas

Analistas discutem nuances para contrapor perspectiva simplificada e incorreta sobre eleição presidencial de novembro

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São Paulo

Vejamos a forma simplificada e incorreta de fazer previsões sobre a eleição presidencial americana do próximo novembro: se der Joe Biden, o eleitorado dos Estados Unidos continuará prestando atenção ao resto do mundo. Mas se der Donald Trump o país tende a cair no infernal isolacionismo.

Pois não é nada disso, segundo podcast publicado pela Brookings Institution, um centenário centro de estudos políticos com sede em Washington. A verdadeira previsão traz nuanças muito nítidas.

Recorte de Donald Trump, ex-presidente dos EUA, em frente a um imóvel temático na Pensilvânia - Quinn Glabicki - 23.abr.24/Reuters

Constanze Stelzenmuller, diretora do centro sobre os Estados Unidos na Europa, diz que uma possível vitória de Trump produziria em seu governo duas visões paralelas sobre a política externa. Haveria o grupo ligado a Peter Navarro, para quem a globalização desembocou no empobrecimento americano, e, do lado oposto, o grupo de Steven Mnuchin, que foi um secretário do Tesouro atento aos bancos, às moedas –ao mercado em suma— e a tudo aquilo que seria imprudente à Casa Branca descuidar.

O embate entre essas posições teria um forte componente ideológico e não embutiria a aparente alergia que Trump sente pela Otan, a aliança militar ocidental que hoje apoia a Ucrânia contra a Rússia.

Fred Dews, que hospedou o debate em nome da Brookings, põe o dedo numa ferida delicada: a existência de uma recente coalizão de países não democráticos, aos quais interessa que os EUA se isolem e não exerçam a antiga hegemonia nuclear e militar.

Esse grupo de iliberais é basicamente formado pela Rússia, Irã, Coreia do Norte e China, e quanto a eles o presidente Biden tem demonstrado um refinamento diplomático que governos democratas num passado recente não chegavam a estampar, diz o podcast.

Biden também se beneficiou de um contexto que Trump desconheceu em seu primeiro mandato. A saber: a curiosidade americana pela Ucrânia –e a torcida para que ela derrote a Rússia– e, em relação a Gaza, a oposição do movimento universitário aos bombardeios de Israel sobre a população palestina.

Neste último caso não ocorreu o apoio dos estudantes ao governo. Ao contrário. Mas pela primeira vez em mais de 50 anos as universidades tentaram retomar protestos que conheceram durante a Guerra do Vietnã.

A Ucrânia e Gaza também respondem à questão que desencadeou o podcast. Tratava-se de saber se, em novembro, nas urnas, o eleitorado americano levaria em conta a política externa ou, ao contrário, se restringiria a questões da agenda doméstica dos Estados Unidos.

Em linha paralela, perde seu peso inicial a maneira pela qual Trump ameaçou retirar seu apoio aos tradicionais aliados, caso eles não participassem mais efetivamente do financiamento militar. Trump se referia à Otan, mas também aos parceiros americanos asiáticos. É possível que todos esses países saiam perdendo. Mas parece pouco provável que tudo acabe, como já se reiterou, em isolacionismo.

Um outro tópico da pauta externa americana são as eleições em junho para o Parlamento Europeu. Esse organismo, que é bem menos um Legislativo e bem mais um indicador de tendências, atravessa uma mudança pela qual a ultradireita pretende crescer e alcançar um quarto das cadeiras. Isso daria ao segmento ideológico a condição de majoritário e com capacidade para manobrar os destinos políticos e doutrinários da União Europeia.

É obvio que esse projeto da direita também pode naufragar. Digamos que ela fique com apenas 20% das cadeiras, em vez de 25%. Mesmo assim, a votação simultânea nos 27 países do bloco permite mapear com muita precisão as tendências políticas, onde a ultradireita subiu e onde ela se enfraqueceu.

A propósito, uma das surpresas, diz o podcast, pode vir da Hungria, com o crescimento de uma oposição liberal à ultradireita de Viktor Orban. Trata-se de Peter Magyar, que tem arrastado multidões em seus comícios.

A ultradireita conquistou a maioria em Budapeste em 2010, em Roma dois anos depois, mas em 2023 ela foi derrotada em Varsóvia pelos liberais.

Em termos americanos, os extremistas têm a simpatia do campo trumpista, enquanto os liberais tendem a ser admirados pelo Partido Democrata de Joe Biden.

Esse quadro oscila quando, por herança dos tempos da Guerra Fria, a Rússia entra em jogo ao lado de regimes antipáticos aos americanos. Em sua guerra contra a Ucrânia, o Kremlin obtém peças para mísseis e drones do Irã e da Coreia do Norte. Documentos recém-desclassificados pelos serviços americanos de inteligência também demonstraram que a China está fornecendo aos russos peças para propulsores de mísseis e chips para os componentes eletrônicos de vastos arsenais.

São informações que, mesmo desconhecendo em detalhes, o eleitor americano acaba por misturar numa salada meio indigesta, mas que tende a fazer sentido.

Do US voters care about America’s role in the world?

  • Autoria Brookings Institution
  • Duração 20 min. (em inglês)
  • Disponível em https://www.brookings.edu/articles/do-us-voters-care-about-americas-role-in-the-world/

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