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Cristiano Maronna, Fábio Tofic Simantob e Juliano Breda: O que o STF deve decidir?

Espera-se, nesta quarta-feira, a defesa do que se afere pela clareza da Constituição e do Código de Processo Penal: execução de pena, somente depois do trânsito em julgado

Plenário do STF durante a sessão que negou o habeas corpus a Lula, em 4 de abril
Plenário do STF durante a sessão que negou o habeas corpus a Lula, em 4 de abril - Pedro Ladeira - 4.abr.18/Folhapress

Em 25 de janeiro de 2001, o então ministro da Justiça, José Gregori, enviou ao presidente Fernando Henrique um projeto de lei para a reforma do Código de Processo Penal, elaborado por uma comissão de juristas de renome.

Era a consolidação do pensamento acadêmico a respeito da necessidade de compatibilizar o CPP de 1941, escrito na ditadura Vargas, com o novo modelo de garantias assegurado pela Constituição de 1988, em especial, com a previsão de que ninguém seria considerado culpado antes do trânsito em julgado da condenação.

Vale lembrar que a Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, criada em 1986 para oferecer um anteprojeto de Constituição, sugeria uma norma que permitiria a execução antecipada (presume-se inocente todo acusado até que haja declaração judicial de culpa).

A evolução do texto deve ser destacada, pois, ao alterar a proposta originária e condicionar a formação da culpa ao fenômeno processual do trânsito em julgado, a Constituição rejeitou a redação do anteprojeto e proferiu eloquente mensagem ao sistema. Aliás, o próprio artigo 5º, LVII, teve redação inalterada ao longo de todo o processo constituinte, desde a Comissão de Sistematização, passando pelo substitutivo e por três votações no plenário e pela Comissão de Redação Final, até o advento da norma hoje vigente.

Já no século 21, a exposição de motivos do projeto do governo FHC consignava a "impossibilidade de, antes de sentença condenatória transitada em julgado, haver prisão que não seja de natureza cautelar".

Os juristas redigiram uma regra clara, de conteúdo inequívoco, aprovada pelo Congresso sem nenhuma alteração ou reparo, dando a seguinte redação ao art. 283 do CPP: "Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva."

O tema debatido nas ADCs é simples: ao espelhar o artigo 5º da Constituição de 88, o art. 283 do CPP pode ser considerado inconstitucional? Os ministros só poderiam decidir positivamente se apontassem qual regra da Constituição permite a execução da pena após a decisão de segunda instância, mas ninguém conseguiu até hoje tal proeza.

Mesmo sem execução antecipada, o Brasil já é um dos países que mais prendem antes do trânsito em julgado, com quase 300 mil encarcerados provisoriamente de forma indigna. Portanto, é falso afirmar que no Brasil é preciso esperar quatro instâncias para ser preso.

No ano passado, o CNJ revelou que um a cada três presos no Brasil aguarda julgamento. Pretende-se corrigir a morosidade do Poder Judiciário com um novo problema: executar as penas antes dos recursos cabíveis. É um erro, porque a execução antecipada aprofundará o perfil impaciente do sistema penal, que antecipa punições de forma injusta, por meio de decisões proferidas em processos nulos.

Espera-se do STF a defesa pura e simples do direito produzido pelo legítimo exercício da vontade popular, que se afere não pelo sentimento íntimo de um ou outro ministro, mas pela clareza do texto da Constituição e pela redação incontornável do Código de Processo Penal: execução de pena, somente depois do trânsito em julgado.

Cristiano Ávila Maronna

Advogado criminal, é presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCcrim)

Fábio Tofic Simantob

Advogado e presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD)

Juliano Breda

Advogado criminal, é conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil

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