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Edilson Mougenot Bonfim

O parto de uma calúnia

Diálogos em nada afetam a imparcialidade de um juiz

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Edilson Mougenot Bonfim, procurador do Ministério Público do Estado de São Paulo
Edilson Mougenot Bonfim, procurador do Ministério Público do Estado de São Paulo - Arquivo Pessoal
Edilson Mougenot Bonfim

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Não se tratou de um processo cujas garantias a um ex-presidente tenham sido minoradas; ao contrário, acabaram potencializadas na prática ao serem manejadas pelos maiores criminalistas do país. 

A afirmação de que a lei é igual para todos, frente à realidade,  fica assim: quão mais poderoso seja o réu, tão mais recursos legais e extralegais utilizará. Ou alguém já viu semelhante paralelo defensivo na história? 

A defesa brandida, para além do modo clássico, também se deu de forma extrajurídica, em que o apoio de expressiva mídia foi a base da construção e as recorrentes tentativas de ingerência política foram um maquinário, além do engajamento de toda uma legião de apaixonados na causa —os operários desta defesa sem fim— que não aceita o veredicto em desfavor de um “pobre honorário”, o atual reeducando Lula

Excelentes advogados, cirurgiões do direito criminal, exímios Pitanguys jurídicos, tentaram sem êxito intervenções plásticas para buscar a melhora das terríveis feições das corrupções praticadas. Mas médicos-legais, e não mágicos, não poderiam mesmo fazer desaparecer as provas produzidas. 

Já não cabem, pois, nas incontáveis patas de mil centopeias, o número de recursos interpostos por mais de uma centena de potentados acusados. As condenações inúmeras nem sequer foram paritárias à grandeza bilionária das cifras da corrupção, abjeto monstro que produz exclusão social. 

Agora, surge um novo tipo de defesa, já nem mais “ampla”, mas ilimitada, como quer a defesa quebra-respeito. Ela nasce da flor do mal de mais um crime: a violação por “hackers” da comunicação de duas autoridades da república. 

Essa defesa repousa no inusitado: pretende a nulificação dos processos e, depois, é claro, uma bilionária indenização a ser recebida dos cofres públicos que antes sangraram. Teria limite, afinal, a sórdida vilania?

Golpes de marketing em cena, meia dúzia de malabarismos jurídicos —o teatro do absurdo—,  algum ministro de plantão insinuando posição, “et voilà!”, mais uma tunga na história e no povo brasileiro nacional, afinal, “a mãe do trouxa está sempre grávida”, não é mesmo?

Só precisam torturar os fatos. Se não houve cadeia de custódia, como saber da autenticidade, contexto ou conteúdo das mensagens? Hoje, a tecnologia permite fazer aparecer ou desaparecer pessoas em fotos, afinar cantores desafinados, imitar-se à perfeição estilos literários e até reproduzir-se à exatidão a própria fala de alguém, ao ponto de a mãe do jornalista Ashlee Vance ter conversado longamente com um robô, certa de que falava com seu próprio filho, cuja voz fora copiada. 

Que tal aparecerem agora uns áudios de “fontes preservadas” —hackeadas ou de algum “colega da imprensa que teria vazado”— nos quais o jornalista Glenn Greenwald confessaria ser tudo uma trampa, pura maquinação para inocentar culpados? Confiável? 

O juiz Falcone foi morto pela máfia italiana, que tal a morte moral que se pretende impor às nossas autoridades? Reconheçamos, contudo, que o “crime organizado” aqui é mais tranquilo, ao menos mais indulgente consigo próprio. Na Itália, mais de 30 acusados na Operação Mãos Limpas se suicidaram. Aqui, ninguém se voluntariou na Lava Jato.

Se do ponto de vista da forma tais “mensagens” são um nada jurídico, o seu conteúdo é normal como diálogo de autoridades públicas, como é normal a conduta do advogado que, quando quer despachar um habeas corpus junto ao juiz, não passa na sala do Ministério Público para convidá-lo a acompanhar.

Diálogos em nada afetam a imparcialidade de um magistrado, cujo controle se dá pela Constituição Federal, que impõe em seu art. 93, IX, que as decisões judiciais sejam “fundamentadas”. Assim, expondo o juiz e justificando as razões de sua opção, pode o vencido recorrer (“Curso de Processo Penal”, 13ª. ed. Saraiva, 2019, pág. 112, deste articulista). 

As decisões do então juiz Sergio Moro sofreram dezenas de recursos do Ministério Público e da defesa. Em muitas, as decisões não só foram mantidas, mas as penas, aumentadas. Caim, que Brasil queremos?

 
Edilson Mougenot Bonfim

Procurador do Ministério Público do Estado de São Paulo, doutor em processo penal pela Universidade Complutense de Madrid e fundador da Escola de Altos Estudos em Ciências Criminais

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