Nos últimos dias, a movimentação autocrática que se configura no Brasil ampliou-se e encontrou nas forças de segurança pública das unidades federativas mais um fator de impulso. As reivindicações de reajuste salarial ganharam contornos de desestabilização institucional.
Para além dos ataques permanentes à imprensa, ao Poder Judiciário e ao Poder Legislativo, o bolsonarismo também se nota na insuflada atividade corporativista de policiais civis e militares.
Em Minas Gerais, o governador Romeu Zema (Novo), sucumbiu à pressão da corporação e enviou um projeto de lei de reajuste à Assembleia Legislativa. Não sem antes pedir ajuda ao presidente Jair Bolsonaro e solicitar o envio de forças federais ao território mineiro para dissuadir as tropas locais ainda em 2019.
O presidente, afirmam-me várias fontes do governo mineiro, recusou-se a conceder essa ajuda. Para garantir seu patrimônio eleitoral presente nas tropas, não agiu como chefe de Estado e chefe de governo. Não é só irresponsabilidade. É método.
Com o pedido negado, o governador mineiro, sem nenhuma habilidade política, jogou a bomba para 77 deputados estaduais. E errou ao não explicitar a recusa do presidente.
Ao reajuste escalonado de 41,7% a policiais militares, bombeiros e agente penitenciários, somou-se o pleito de outras categorias com emendas ao texto. Agora, há pressão para que o governador mineiro vete integralmente o projeto de lei que tem ele próprio como autor.
Um efeito dominó se iniciou no Brasil. Ora, se um político cujo partido, em teoria, tem a responsabilidade fiscal como vértebra cedeu, os demais governadores também cederão. O gesto contribuiu para ampliar a mobilização no interior dos quartéis em outros cantos brasileiros. O presidente assiste a tudo. O ministro da Justiça soma-se a ele como espectador.
Neste contexto, o motim das forças de segurança pública do Ceará deve ser entendido como outro grave episódio. As cenas ocorridas em Sobral, quando o senador licenciado Cid Gomes, de forma completamente equivocada, usou uma retroescavadeira para tentar romper barricadas montadas pelos militares amotinados e acabou ferido por dois tiros, são inaceitáveis. Policial militar não tem direito à greve.
As Forças Armadas e a Força Nacional de Segurança foram enviadas ao Ceará, mas o presidente segue mudo sobre o assunto. Não demonstra tratar ações típicas de milicianos com a mesma postura rígida que costuma ter com jornalistas.
Há pelo menos dez governadores sob pressão dos comandantes militares para conceder reajuste salarial às tropas. A omissão presidencial não espanta. Em 2017, Jair Bolsonaro demonstrou simpatia aos amotinados no Espírito Santo. Apoiou também o locaute dos caminhoneiros em 2018. O caos é um aliado do presidente, que é adversário da democracia.
O que falta para ficar claro que Jair Bolsonaro não é um democrata? E o que deve ser feito? Não há mistério. Cabe ao Congresso Nacional conter essa escalada. Os freios e contrapesos devem ser usados para abortar as iniciativas de sabotagem à democracia que partem do Poder Executivo.
E se faz necessário que esse movimento de proteção das instituições não demore.
A democracia brasileira é frágil: 1889, 1930, 1937, 1945 e 1964 são anos que configuram rupturas na nossa trajetória. Em todas elas os militares foram protagonistas. Há um desmantelamento institucional no Brasil. Se nossos congressistas não agirem, o que hoje configura uma ameaça poderá ser tornar outro período que, no futuro, vai ser descrito como mais uma das páginas tristes da nossa história.
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