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Gabriel Azevedo

Democracia sob ataque

O caos é um aliado do presidente Jair Bolsonaro

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Nos últimos dias, a movimentação autocrática que se configura no Brasil ampliou-se e encontrou nas forças de segurança pública das unidades federativas mais um fator de impulso. As reivindicações de reajuste salarial ganharam contornos de desestabilização institucional.

Para além dos ataques permanentes à imprensa, ao Poder Judiciário e ao Poder Legislativo, o bolsonarismo também se nota na insuflada atividade corporativista de policiais civis e militares.

Gabriel Azevedo - Vereador (sem partido) em Belo Horizonte, é advogado, jornalista e professor de direito constitucional
O vereador Gabriel Azevedo (sem partido), de Belo Horizonte - Divulgação

Em Minas Gerais, o governador Romeu Zema (Novo), sucumbiu à pressão da corporação e enviou um projeto de lei de reajuste à Assembleia Legislativa. Não sem antes pedir ajuda ao presidente Jair Bolsonaro e solicitar o envio de forças federais ao território mineiro para dissuadir as tropas locais ainda em 2019.

O presidente, afirmam-me várias fontes do governo mineiro, recusou-se a conceder essa ajuda. Para garantir seu patrimônio eleitoral presente nas tropas, não agiu como chefe de Estado e chefe de governo. Não é só irresponsabilidade. É método.

Com o pedido negado, o governador mineiro, sem nenhuma habilidade política, jogou a bomba para 77 deputados estaduais. E errou ao não explicitar a recusa do presidente.

Ao reajuste escalonado de 41,7% a policiais militares, bombeiros e agente penitenciários, somou-se o pleito de outras categorias com emendas ao texto. Agora, há pressão para que o governador mineiro vete integralmente o projeto de lei que tem ele próprio como autor.

Um efeito dominó se iniciou no Brasil. Ora, se um político cujo partido, em teoria, tem a responsabilidade fiscal como vértebra cedeu, os demais governadores também cederão. O gesto contribuiu para ampliar a mobilização no interior dos quartéis em outros cantos brasileiros. O presidente assiste a tudo. O ministro da Justiça soma-se a ele como espectador.

Neste contexto, o motim das forças de segurança pública do Ceará deve ser entendido como outro grave episódio. As cenas ocorridas em Sobral, quando o senador licenciado Cid Gomes, de forma completamente equivocada, usou uma retroescavadeira para tentar romper barricadas montadas pelos militares amotinados e acabou ferido por dois tiros, são inaceitáveis. Policial militar não tem direito à greve.

As Forças Armadas e a Força Nacional de Segurança foram enviadas ao Ceará, mas o presidente segue mudo sobre o assunto. Não demonstra tratar ações típicas de milicianos com a mesma postura rígida que costuma ter com jornalistas.

Há pelo menos dez governadores sob pressão dos comandantes militares para conceder reajuste salarial às tropas. A omissão presidencial não espanta. Em 2017, Jair Bolsonaro demonstrou simpatia aos amotinados no Espírito Santo. Apoiou também o locaute dos caminhoneiros em 2018. O caos é um aliado do presidente, que é adversário da democracia.

O que falta para ficar claro que Jair Bolsonaro não é um democrata? E o que deve ser feito? Não há mistério. Cabe ao Congresso Nacional conter essa escalada. Os freios e contrapesos devem ser usados para abortar as iniciativas de sabotagem à democracia que partem do Poder Executivo.

E se faz necessário que esse movimento de proteção das instituições não demore.

A democracia brasileira é frágil: 1889, 1930, 1937, 1945 e 1964 são anos que configuram rupturas na nossa trajetória. Em todas elas os militares foram protagonistas. Há um desmantelamento institucional no Brasil. Se nossos congressistas não agirem, o que hoje configura uma ameaça poderá ser tornar outro período que, no futuro, vai ser descrito como mais uma das páginas tristes da nossa história.

Gabriel Azevedo

Vereador (sem partido) em Belo Horizonte, é advogado, jornalista e professor de direito constitucional

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