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Sandro Cabral

Somente a colaboração pode salvar

Redes servem de antídoto contra o veneno de governantes inaptos

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Embora alguns ainda ignorem a gravidade da Covid-19, a população parece ter se dado conta sobre os sacríficos que virão. Felizmente, nosso sistema de saúde pública é composto por profissionais que, independentemente de suas convicções ideológicas, acreditam que o agir baseado em evidências é essencial para lidar com a situação. Se por um lado o uso de protocolos testados é reconhecido como um dos fatores chave no combate a endemias, outro aspecto merece ser examinado: a necessária colaboração entre diferentes órgãos governamentais.

Diferentemente do raciocínio pueril daqueles que acreditam na resolução de problemas complexos pela mera ação de indivíduos dotados de superpoderes no mundo real, o enfrentamento desse tipo de calamidade demanda intensa colaboração de pessoas e organizações com saberes complementares que, não raro, rivalizam entre si na busca por recursos, poder e protagonismo. Assim, como obter bons resultados na presença de condições para lá de adversas como essas? A resposta reside no conhecimento acumulado pelos estudiosos da governança colaborativa no setor público.

O professor Sandro Cabral, coordenador do Mestrado em Políticas Públicas do Insper - Adriano Vizoni - 31.out.17/Folhapress

Colaborações bem-sucedidas no setor público requerem alguns elementos. O primeiro deles é a existência de capital humano especializado. Estruturas para o combate de endemias necessitam de profissionais bem formados e atualizados sobre as melhores práticas a serem seguidas.

É justamente nas universidades e em institutos de pesquisa que reside boa parte do conhecimento técnico que pode amparar as escolhas dos tomadores de decisão. O problema é que técnicos são como garçons, podem até sugerir as melhores combinações entre pratos, mas, ao fim e ao cabo, quem decide são os clientes —neste caso, políticos. Os sábios tomam suas decisões amparados em recomendações técnicas. Os tolos recorrem a gurus ou a correntes de WhatsApp.

O conhecimento científico é a linguagem comum que permite a criação de estruturas para armazenamento e compartilhamento de informações necessárias ao combate do vírus. Redes de colaboração entre técnicos podem ser um antídoto eficaz contra o veneno inoculado por governantes vaidosos ou inaptos. A capacidade de incorporação de atores que podem aportar ao processo colaborativo é essencial para o achatamento da curva de disseminação da doença.

Aqui, a boa teoria sugere que a abertura de canais de interlocução com as redes privada e filantrópica para complementar a estrutura do SUS, e junto a outros órgãos governamentais de diversas áreas, da Economia à Segurança Pública, é mandatória para que passemos por essa pandemia com os menores danos possíveis.

O desenvolvimento de estruturas de confiança mútua entre as diferentes partes envolvidas é condição necessária para que os esforços coordenados pelas autoridades de saúde possam trazer benefícios a quem mais precisa: a população mais pobre. A imprensa ocupa papel de destaque nesse processo colaborativo ao traduzir de maneira didática as orientações oriundas dos consensos técnicos. Desmascarar as notícias falsas, não minimizar o problema e constranger atores não alinhados ao interesse coletivo é papel da imprensa.

O esforço colaborativo requer também lideranças políticas facilitadoras. Alguns governadores e prefeitos estão agindo de maneira impecável, seja ao promover o diálogo entre as diferentes partes envolvidas, seja simplesmente não atrapalhando o trabalho dos técnicos.

Infelizmente, sob o aplauso de ignorantes e tal qual adolescente irresponsável, o presidente da República deu um péssimo exemplo de liderança ao minimizar o problema e ao contrariar os protocolos das autoridades de saúde. Os sons das panelas e dos gritos daqueles que veem seus entes sendo infectados provocaram a reação tardia de Jair Bolsonaro, mas não mudaram sua inaceitável postura beligerante.

Que a ignorância e os interesses políticos não impeçam os técnicos de atuarem de forma colaborativa, integrada e baseada em evidências, seja para conter a disseminação do vírus, seja para cuidar das pessoas infectadas. Vidas dependem disso.

Sandro Cabral

Doutor em administração, é coordenador do Mestrado em Políticas Públicas do Insper e pesquisador do CNPq

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