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Renato Ochman

A saída negociada

Credores e devedores, no fim do dia, fazem parte da mesma cadeia produtiva

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Estamos vivendo nesses dias, em todo o mundo, uma crise sem precedentes. A par das relevantes questões de saúde, a repercussão no mundo dos negócios e na subsistência das famílias, caminhamos para uma inadimplência geral nos mais variados tipos de negócios. Do empresário individual, da pessoa física ao grande empresário, cada obrigação contraída por eles tem sua característica, previsão contratual e garantias específicas. Algumas de “natureza geral” e similares a todos os indivíduos e empresas, como obrigações com impostos, previdenciárias, trabalhistas. Neste âmbito, o governo já intercedeu por meio de medidas provisórias para superar ou adiar o caos.

Outras são obrigações de natureza especial, com características específicas, como financiamentos de várias modalidades: aluguel, aportes de capital em empresas, compra e entrega de matéria-prima e estoques, bens e serviços contratados. E, em muitos desses casos, não há a “mão do Estado” para estender concessões financeiras, dilação de prazos de pagamentos de forma a amenizar a inadimplência. O que torna ainda mais distante e difícil a solução na relação credor e devedor.

O advogado Renato Ochman, autor do livro ‘Vivendo a Negociação’ (ed. Saraiva) - Mathilde Missioneiro 15.out.19/Folhapress

Qualquer que seja a modalidade da obrigação, se geral ou especial, com certeza todas terão neste momento uma similaridade: a necessidade de uma solução entre as partes de forma a manter a cadeia produtiva viva —ou teremos uma inadimplência sem precedentes.

Nessa hora, em que pese haver teses jurídicas até mesmo já consagradas para a impossibilidade do cumprimento da obrigação, como a força maior ou caso fortuito, dentre outras, há que se avaliar o caminho mais rápido para a questão, de forma que elimine um risco ainda maior para os negócios, credores e devedores, pois, no fim do dia, todos fazem parte de uma mesma cadeia produtiva. Mais uma vez, a negociação até mesmo na relação entre acionistas é necessária, notadamente com relação à distribuição de dividendos. Apesar de já sugeridos nos balanços a serem aprovados, os dividendos deverão passar justificadamente por uma revisão, face as necessidades prementes de disponibilidade financeira das companhias.

Felizmente, através de medida provisória, as companhias receberam a guarida de realizar suas assembleias obrigatórias de abril, flexibilizando o adiamento até julho deste ano, justamente conclaves que irão definir questões de balanço e dividendos.

Lembramos que muitos contratos de financiamento em vigor obrigam as empresas tomadoras de recursos a apresentarem resultados dessas assembleias, a respectiva demonstração financeira e os lucros distribuídos. Com o adiamento pela MP, é importante que acionistas controladores, minoritários e bancos credores estejam coesos, sem egoísmo, e encontrem a solução negociada e da melhor forma.

Nessa hora, olhando experiências amargas do passado, ainda que regionalizadas, como no 11 de Setembro, em 2001, ou 2008-9, as crises demonstraram que o caminho da negociação foi a maneira acertada de solucionar os vários defaults no mercado, através de soluções rápidas e criativas.

“Quem anda em meio à multidão precisa mudar de rumo, cerrar-se os cotovelos, recuar ou avançar, às vezes até sair do caminho reto, segundo aquilo com que tope, precisa viver não tanto segundo ele mesmo quanto segundo os outros, não segundo o que ele se propõe mas segundo o que lhe propõem, de acordo com o tempo, de acordo com os homens, de acordo com os negócios” (Montaigne, “Sobre a vaidade”).

Ninguém pode tentar imaginar, diante do quadro atual, uma saída rápida que não seja a negociação. O governo federal fazendo as concessões necessárias, com apoio ao empresário e ao cidadão, através de urgentes medidas provisórias e, por sua vez, os particulares priorizando a negociação para manter a cadeia produtiva viva.

Renato Ochman

Advogado, mestre em direito societário e autor do livro ‘Vivendo a Negociação’ (ed. Saraiva)

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