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Dante Langhi

Esclarecimentos sobre o editorial 'Sangue Bom'

Homossexuais masculinos devem cumprir prazo estabelecido para doar sangue

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Dante Langhi

A Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH), enquanto sociedade científica, sente-se no dever de esclarecer, tecnicamente, informações veiculadas no editorial “Sangue Bom”, publicado nesta Folha em 27 de abril. O texto discorre sobre decisão do STF (em curso) a respeito da doação de sangue por homens que fazem sexo com homens (HSHs) nos 12 meses anteriores.

A ABHH elucida que exames sorológicos e pesquisa de ácidos nucleicos virais são incapazes de detectar a presença de agentes infecciosos em todos os casos, especialmente nos primeiros dias da contaminação. Tecnicamente, considera-se uma margem segura cerca de 10 dias para HIV e 20 dias para o vírus da hepatite B. Ou seja, persiste a janela sorológica, apenas mais curta do que antes da introdução de exames mais sensíveis.

Doação de sangue na Casa Branca, sede do governo dos EUA - Patrick T. Fallon - 30.mar.20/Reuters

Ocorre que indivíduos expostos ao risco de contaminação em geral desconhecem o fenômeno da janela sorológica e frequentemente doam sangue dias após a exposição, antes da expectativa de que exames deem resultado positivo. Além disso, é preciso levar em consideração o tipo de relação sexual.

Em artigo publicado na revista Veja em 2016, David Uip, um dos maiores especialistas em doenças infecciosas no país, afirmou que a relação anal passiva sem preservativo é a que apresenta maior risco —na proporção de uma transmissão para cada 72 relações sexuais. Já para a relação anal ativa, há uma transmissão para cada 900 relações. A relação pênis-vagina passiva tem risco de uma transmissão a cada 2.500 relações, enquanto na ativa o índice cai pela metade. Já no sexo oral, ativo ou passivo, o risco é de zero a quatro transmissões por 10 mil ações.

Segundo pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (Veras et al, 2015), a prevalência do vírus HIV entre HSHs em São Paulo foi de 15,4% —cerca de 450 vezes superior à encontrada entre os doadores de sangue, que é inferior a 0,03% (Hemocentro de Ribeirão Preto-SP). Além disso, apenas 45,8% dos HSHs avaliados estavam cientes de sua sorologia positiva.

O Boletim Epidemiológico de Aids (2016) mostrou que, no ano de 2015, 50,4% dos homens tiveram exposição exclusivamente homossexual, bissexual (9%) e heterossexual (36,8%). Entre as mulheres, na mesma faixa etária, 96,4% dos casos se inserem na categoria de exposição heterossexual. A relação homossexual entre mulheres não está associada a risco aumentado de transmissão de agentes infecciosos; por isso, mulheres que praticam sexo com mulheres não sofrem restrição à doação de sangue.

Diante do exposto, depreende-se que a doação de sangue por HSHs pode acarretar risco aumentado de transmissão do HIV (e de outros agentes). Não se trata, portanto, de discriminação por orientação sexual, pois esse grupo pode doar sangue, desde que respeitado o prazo de 12 meses (período que, com segurança, talvez possa ser reduzido) —e também porque homossexuais do sexo feminino não estão sujeitas à inaptidão temporária.

Dante Langhi

Presidente da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular

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