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Entulho revirado

Resquício da ditadura, Lei de Segurança Nacional é invocada por e contra bolsonaristas

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Manifestantes pró-Bolsonaro gritam palavrões e críticas aos congressistas
Manifestantes pró-Bolsonaro gritam palavrões e críticas aos congressistas - Pedro Ladeira - 9.mai.20/Folhapress

Passados 35 anos da redemocratização, o Brasil ainda não foi capaz de livrar-se do entulho autoritário.

Símbolo do arbítrio da ditadura militar, a lei 7.170/83, mais conhecida como Lei de Segurança Nacional (LSN), não só continua em vigor como tem sido cada vez mais invocada, tanto contra críticos do governo de Jair Bolsonaro como contra alguns de seus apoiadores mais entusiasmados.

Os otimistas talvez possam se regozijar com o fato de que essa versão do diploma, em vigor desde 1983, é menos draconiana do que uma de suas encarnações anteriores, a de 1969, cujo texto previa pena de morte e prisão perpétua para os desafetos do regime.

Numa visão mais realista, porém, cumpre reconhecer que a LSN padece de vicissitudes numerosas e graves o bastante para tornar sua permanência incompatível com o Estado democrático de Direito.

Entre os problemas da norma destacam-se os tipos penais propositadamente vagos (“incitação à subversão” pode significar qualquer coisa) e as penas elevadas.

Desde que Bolsonaro chegou ao poder, autoridades ligadas ao governo já ameaçaram utilizar a lei da ditadura contra um ex-presidente, um cartunista, dois jornalistas e um ministro do Supremo Tribunal Federal, por manifestações que desagradaram o presidente ou seus bajuladores.

Na outra ponta, magistrados, inclusive do STF, cogitam empregá-la contra a ala mais insensata dos apoiadores do governo, que faz atos em favor de intervenção militar e outros desatinos.

Seria um erro, contudo, ver alguma simetria em tal situação.

Ao menos na intenção, a LSN é uma lei de defesa do Estado —e, se existem razões para que um diploma dessa natureza coíba ações que visem a mudar a ordem política por meios violentos, não há nenhuma para elevar a honra do presidente e de outras poucas autoridades a bens jurídicos cuja proteção se confunde com a do Estado.

O Brasil é uma república. Se o mandatário acha que sua honra foi atacada, deve recorrer aos instrumentos disponíveis a todos os cidadãos, que são os tipos de calúnia, injúria e difamação constantes do Código Penal.

Valer-se da LSN é somente uma mal disfarçada tentativa de intimidar a crítica, tão fundamental para uma democracia saudável. Já passa da hora de o Congresso aposentar a lei e substituí-la por uma peça moderna e tecnicamente apta.

editoriais@grupofolha.com.br

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