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Teresa Liporace

A classificação que desaconselha o consumo de alimentos ultraprocessados deve acabar? NÃO

Alimentação saudável é um direito assegurado e também faz bem à economia

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Teresa Liporace

Diretora-executiva do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor)

Temos o direito de saber o que comemos, como o alimento vai impactar nossa saúde e se a nossa alimentação tem qualidade nutricional. No Brasil, o direito humano à alimentação adequada está previsto na Constituição. Por isso, o ataque do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) ao Guia Alimentar para a População Brasileira, por meio de uma nota técnica que pede a sua revisão, ameaça esse direito dos brasileiros.

O guia oferece informações sobre os alimentos com clareza, respeitando a diversidade regional brasileira e os diferentes grupos populacionais, dando ao consumidor a oportunidade da escolha sobre o que vai comer e porque isso poderá impactar a sua saúde ao longo dos anos. Além disso, o documento recomenda que a alimentação se baseie em comida de verdade, que o consumo de alimentos processados seja reduzido e que os ultraprocessados sejam evitados.

Reconhecido internacionalmente por organismos como Unicef, OMS e FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), o nosso guia é apontado como um dos melhores do mundo e inspirou países das Américas e da Europa. Mas nota técnica do Mapa, cedendo à pressão da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) e sem qualquer fundamento científico, o considerou “um dos piores”, alegando que o material contém “menções equivocadas, preconceituosas e pseudocientíficas sobre os produtos de origem animal”.

Trata-se de mais um caso de interferência das grandes corporações de ultraprocessados, altamente lucrativas e que utilizam preponderantemente ingredientes muito baratos: sal, açúcar e aditivos químicos. Essa postura da Abia mancha a imagem de empresas do setor que oferecem alimentos saudáveis.

O que está por trás dessa revolta contra o Guia Alimentar é a classificação por ele adotada, que enquadra os alimentos em quatro grupos: in natura, minimamente processados, processados e ultraprocessados. O consumo de alimentos desse último grupo, de acordo com profissionais de saúde de várias partes do mundo, está associado ao crescimento de doenças crônicas não transmissíveis, que no Brasil já acometem cerca de 40% da população adulta.

A informação adequada e clara sobre produtos e serviços, com especificações corretas de suas características, é um direito básico previsto na lei 8.078/90 do Código de Defesa do Consumidor e, portanto, deve ser assegurada pelas indústrias de alimentos.

No entanto, a Abia tem travado uma longa batalha para impedir que o consumidor brasileiro exerça seus direitos à saúde, à escolha e à informação adequada. E essa aliança retrógrada contra a saúde com a ministra Tereza Cristina é só mais uma tentativa desesperada de impedir a efetivação desses direitos fundamentais. O posterior pedido de reformulação da nota por parte da ministra também não é uma solução, pois o guia não deve ser revisado. Contudo, as cartas que estão na mesa já mostram suas intenções.

Infelizmente, a ministra não deve ter sido bem informada sobre as políticas públicas que vêm sendo adotadas mundo afora para reduzir os riscos à saúde causados pelos ultraprocessados —bem como sobre o estudo “The Heavy Burden of Obesity”, da OCDE, que mostra que o impacto financeiro e os resultados dos investimentos em políticas públicas para melhorar a alimentação levam à redução de gastos com saúde, aumento na produção e fomento ao mercado de trabalho. Ou seja, alimentação saudável faz bem aos cofres do país, senhora ministra.

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