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Luiz Kignel

Que haja luz

Chanuká e Natal surgem como inspiração para um basta ao radicalismo

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Luiz Kignel

Presidente da Federação Israelita do Estado de São Paulo

Todos os anos meus amigos de fora da comunidade judaica indagam o que um judeu faz na noite de Natal. Satisfazendo a justa curiosidade, preciso registrar que a noite de 24 para 25 de dezembro, dentro de algo tão especial para os cristãos, é uma passagem normal para a comunidade judaica. Os judeus não comemoram o Natal, mas desde o início deste mês acompanham com respeitosa distância uma cidade com residências, lojas e vias públicas mais enfeitadas.

No final da tarde desta quinta-feira (10), dia 25 do mês de Kislev do calendário hebraico, por razões distintas, os lares judaicos serão iluminados em lembrança a Chanuká, a nossa Festa das Luzes, que comemora a milagrosa vitória dos judeus contra os opressores gregos que, no ano 168 antes da era cristã, invadiram o sagrado Segundo Templo de Jerusalém.

Luiz Kignel, presidente da Federação Israelita do Estado de São Paulo, antes de ato solene em memória às vítimas do Holocausto, na sinagoga Etz Chaim, em São Paulo - Greg Salibian - 27.jan.20/Folhapress

As diferenças entre as duas religiões não afastam o seu salutar convívio. Há muito o que somar unindo as crenças judaico-cristã, especialmente na retrospectiva de 2020, um ano recheado de desafios diários ante a provação que (ainda) passamos. A Covid-19 foi uma impulsionadora de extremos, deixando também sua marca nas eleições municipais. Certamente 2020 será definido como o ano dos conflitos. Afinal, onde não houve enfrentamento?

Opondo-se à intransigência dos extremos, que na esfera política poderia nos ter arrastado a uma escuridão sem fim, as luzes de Chanuká e do Natal surgem como uma inspiração para darmos um basta ao radicalismo. Como esquecer os conflitos instaurados e virar a página para 2021, que já se aproxima?

Embora a memória seja algo muito apreciado, aprendemos nos livros sagrados do judaísmo que esquecer também pode ser uma bênção. Que seria impossível ao ser humano seguir vivendo se não lhe fosse dada a possibilidade de apagar certas experiências. Essa memória seletiva pode soar estranha na medida em que nos permitirá esquecer os erros (voluntários ou não) e tornar os acertos a única realidade registrada. Mas essa é a leitura equivocada. Porque, ao contrário do leitor apressado, esquecer não se refere propriamente aos nossos erros, mas sim aos erros dos outros.

Ao final desta tortuosa disputa eleitoral, no julgamento de nossos semelhantes, será necessário substituir o rigor pela tolerância e a crítica negativa pelo ensinamento construtivo. Quem sabe os gritos da desaprovação cedam ao sussurro da correção, a ignorância perca espaço para o conhecimento e a condenação desarrazoada e sem causa seja superada pelo entendimento de que, apesar de apenas um candidato sair vitorioso, os erros, se repetidos, levam ao risco de todos se tornarem perdedores.

Neste mês de dezembro as velas de Chanuká e as luzes de Natal estão sendo acesas, trazendo consigo uma mensagem da paz. Mas, acima de tudo, estão aí para nos lembrar e alertar que temos muito trabalho a fazer. E o rancor é um luxo que não podemos nos dar.

Como está escrito no início do livro de Gênesis, “que haja luz”, porque precisaremos dela mais do que nunca.

Chanuká Sameach, Feliz Natal.

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