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Fernanda Campagnucci, Laila Bellix e Manoel Galdino

Enquanto a saúde colapsa, dados seguem escondidos

País continua sem acesso a informações sobre leitos, medicamentos e seringas

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Fernanda Campagnucci

Diretora-executiva da Open Knowledge Brasil

Laila Bellix

Estrategista na Purpose e cofundadora do Instituto de Governo Aberto

Manoel Galdino

Doutor em ciência política pela USP, é diretor executivo da Transparência Brasil

A vacinação começou, mas a pandemia de Covid-19 está longe de acabar. No início do ano, assistimos estarrecidos ao aumento de casos, ao novo e mais grave colapso do sistema de saúde do Amazonas e à corrida por oxigênio nos hospitais.

Assim como a pandemia, os problemas na transparência persistem. O país segue sem ter acesso a dados sobre insumos e infraestrutura hospitalar, como testes, leitos, medicamentos e seringas.

Nota técnica publicada pelo Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, em dezembro de 2020, indicava a desatualização de painéis de testes, medicamentos e EPIs (equipamentos de proteção individual). O fórum também protocolou uma denúncia à Controladoria-Geral da União e encaminhada ao Ministério da Saúde, que tem até a próxima sexta-feira (5) para responder. Esse não era um problema novo e, mesmo com a campanha para cobrar o Ministério da Saúde, pouco mudou.

Desde abril, a Open Knowledge Brasil, por meio do Índice de Transparência da ​Covid-19, aponta a baixa transparência da disponibilidade de testes. No final do ano, a imprensa revelou que quase 7 milhões deles estavam estocados aguardando distribuição à rede pública e com prazo de validade perto de vencer.

Quanto à ocupação dos leitos, o mesmo índice mostrou que esses dados eram os critérios menos atendidos pelos entes. Embora o preenchimento diário do Censo Hospitalar seja obrigatório desde abril por portaria do Ministério da Saúde, o órgão ainda não disponibilizou nenhuma versão consolidada desses dados. Alega-se que são mal preenchidos na ponta, mas é somente com a transparência que a sociedade poderá cobrar a melhoria dos registros.

A comunidade científica tem alertado que uma das consequências mais graves da disseminação da doença é a sobrecarga do sistema de saúde. Com leitos ocupados para a Covid-19, outras internações deixam de ser atendidas —de acidentes de trânsito a pacientes com câncer. No Amazonas, o caso de 60 bebês prematuros que quase foram transferidos para outros estados por falta de oxigênio foi a prova mais dolorosa dessa tragédia anunciada.

A taxa de ocupação de leitos serve de parâmetro para a retomada das atividades econômicas nos estados. Mas os dados são usados de forma opaca e manipulados ao sabor da intenção dos governantes. Na maior parte dos casos, são divulgadas apenas porcentagens de leitos exclusivos para Covid-19, ocultando a quantidade de leitos funcionais para esta e outras doenças. Quando o sistema colapsa, já é tarde demais.

Em relação à vacina, mais uma vez, a opacidade foi a regra. O plano nacional lançado em dezembro não trazia datas específicas nem público-alvo por estado. A quantidade de postos era imprecisa, não havia meta de cobertura ou detalhamento dos grupos de riscos clínicos. A nova versão, de 20 de janeiro último, avançou ao definir um painel de monitoramento, mas os demais problemas continuaram.

O Brasil precisa de cerca de 400 milhões de doses —e ainda não tem sequer 2,5% desse montante. Enquanto não houver números substanciais, é preciso garantir que o sistema de saúde cuidará da população adoecida e que o governo adotará os demais meios para controlar a Covid-19. Somente com a total transparência da gestão hospitalar e dos insumos é que poderemos evitar novos capítulos desse colapso.

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