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Marcelo Knopfelmacher e Felipe Locke Cavalcanti

Operação Spoofing: prova ilícita e imprestável

Material apreendido com hackers pela Polícia Federal jamais foi periciado

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Marcelo Knopfelmacher

Advogado, é integrante do grupo de formulação de políticas públicas de combate à corrupção da pré-campanha de Sergio Moro (Podemos) à Presidência da República

Felipe Locke Cavalcanti

Advogado dos mesmos procuradores, é procurador de Justiça aposentado do Ministério Público de São Paulo

Recentemente, grande debate tomou lugar nos meios jurídicos e políticos a partir do pedido formulado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para, em sede da reclamação 43.007, de relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, ter acesso ao material apreendido na Operação Spoofing, em que hackers invadiram dispositivos telefônicos, telemáticos e de informática de uma vasta gama de pessoas, dentre as quais autoridades públicas.

Com a autorização concedida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal —decisão contra a qual um grupo de sete procuradores da República que atuaram na Operação Lava Jato está se insurgindo por meio de recursos próprios—, o material apreendido na Operação Spoofing vem novamente a público na tentativa de descredenciar todo o trabalho realizado pela Lava Jato ao longo dos últimos anos.

A exposição da intimidade das pessoas é chocante, e recentemente foram anexadas fotos de crianças nesses autos, em verdadeiro desrespeito ao que preceitua o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Mas o que mais choca é a tentativa desesperada de um réu já condenado em instâncias inferiores de trazer credibilidade ou veracidade a aludido material, invertendo sua posição processual para desacreditar o trabalho da acusação e da Justiça.

O ponto central da nossa manifestação consiste em destacar uma questão fundamental: o material apreendido com os hackers na Operação Spoofing jamais foi periciado e jamais será a ponto de se tornar uma prova aceitável do ponto de vista jurídico.

Explica-se: o que se tem hoje é um material apreendido com hackers, réus confessos, que invadiram dispositivos telefônicos, telemáticos e de informática de uma vasta gama de pessoas. Os crimes de invasão desses dispositivos e de realização sem autorização judicial de interceptações telefônicas, telemáticas ou de informática, previstos no artigo 154-A do Código Penal e no artigo 10 da lei nº 9.296/1996, são crimes formais. Realizam-se mediante a mera conduta de invadir ou realizar a interceptação, pouco importando a higidez ou validade do material que foi objeto daquela invasão ou interceptação.

E é aqui que reside a grande confusão a que está sendo levada a opinião pública porque, no momento em que a Polícia Federal apreendeu o material hackeado, não se pôde fazer uma comparação por meio de perícia entre o que foi apreendido e o que supostamente constava dos celulares ou das contas do aplicativo Telegram dessas autoridades públicas. Não se fez, assim, o cotejo entre o que foi apreendido e o que supostamente foi digitado porque, para a apuração de tais crimes (formais e de mera conduta), basta apenas a prova de que houve a invasão ou a interceptação indevidas e à margem da lei.

O laudo da Polícia Federal mencionado nas decisões judiciais é uma espécie de “auto de busca e apreensão” para apenas descrever o que foi apreendido e para lacrar, a partir do momento da apreensão, quaisquer adulterações futuras a partir de então. Tal laudo, contudo, jamais poderia atestar, como de fato não atesta, que o material apreendido corresponde àquilo que teria sido digitado entre as vítimas simplesmente porque esse cotejo jamais existiu e mesmo porque, ao tempo da busca e apreensão, muitos usuários já sequer tinham contas ativas no Telegram.

Daí porque, por mais que se tente fazer um eco na opinião pública para desacreditar a Operação Lava Jato, o material apreendido na Operação Spoofing jamais poderá ser utilizado como prova em defesas judiciais porque se trata efetivamente de uma prova ilícita, posto que obtida por meio de prática criminosa (conforme já decidido pelo STF no HC 168.052, relatoria do ministro Gilmar Mendes) —e porque se trata de uma prova imprestável, posto que não tem correspondência aferida com aquilo que as vítimas teriam supostamente digitado.

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