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André Ramos Tavares

O Supremo deve manter a extensão do prazo de validade das patentes no Brasil? NÃO

Modelo elimina caráter previsível da concessão de patentes, a sua razão de ser

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André Ramos Tavares

Professor titular da Faculdade de Direito da USP, professor da PUC-SP, coordenador da UniAlfa (GO) e presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Constitucionais

A pandemia escancarou a importância da inovação científica para a promoção do progresso social. Veja-se, por exemplo, o desenvolvimento de vacinas em tempo recorde, o que nos permite ao menos vislumbrar uma saída para a crise. O Brasil, no entanto, está em desvantagem. Uma legislação de patentes antiga, imprecisa e inconstitucional, vem retardando o desenvolvimento científico, gerando custos econômicos e sociais incalculáveis.

A inovação depende do equilíbrio entre duas pressões legítimas. De um lado, temos os interesses dos inventores, que podem ser indivíduos ou empresas nacionais e estrangeiras. Sem garantia de retorno financeiro, resta pouco estímulo para a realização de arriscados e elevados investimentos em pesquisa científica. Por outro lado, há o interesse coletivo na ampla disseminação e aperfeiçoamento da tecnologia, inclusive por universidades, o que só pode ocorrer em um ambiente livre de monopólios sobre a propriedade intelectual.

O professor da USP André Ramos Tavares, presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Constitucionais - Marcus Leoni 15.ago.17/Folhapress

Para equilibrar essas duas forças, a legislação moderna criou a patente. Trata-se de proteção concedida pelo Estado aos responsáveis pela atividade criativa, que lhes assegura, por tempo limitado, a exploração financeira exclusiva da invenção. Vencido o prazo de proteção, as criações caem em domínio público, ou seja, qualquer pessoa pode explorar a invenção sem ônus. No Brasil e no mundo, patentes são corretamente caracterizadas como privilégio.

As patentes são o pilar jurídico da atividade criativa, com benefício social. Elas objetivam estimular a inovação científica. O tempo delimitado de uso exclusivo é uma contrapartida pelos investimentos, mas que contempla também o interesse social. Seu bom funcionamento depende de prazos claros.

Sem isso, perde-se o equilíbrio entre interesses privados e coletivos, desautoriza-se o modelo capitalista e se engessam a ciência e a tecnologia. Sem a clareza sobre o prazo de proteção de patentes, o país deixa de acompanhar as demais nações nessa marcha pelo desenvolvimento.
Infelizmente, o Brasil vai mal nessa área. Apesar de adotarmos o prazo de 20 anos para a vigência de patentes, o que está de acordo com a maioria das legislações dos outros países, o parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Intelectual autoriza sua extensão em até dez anos. Para piorar, essa extensão indevida começa com a concessão oficial da patente pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), o que leva 70 a 82 meses em média.

A inconstitucionalidade é flagrante, pois essa norma elimina o caráter previsível da concessão de patentes, ignorando a própria razão de ser desse mecanismo jurídico.

O impacto desse cenário jurídico inconstitucional sobre políticas sociais e sobre o próprio orçamento público é gigantesco. Investimentos são desestimulados. No caso específico da saúde, tão importante no atual contexto da pandemia, o setor farmacêutico fica impossibilitado de investir na fabricação de genéricos, pois teme, justificadamente, o prolongamento indefinido da patente do medicamento de referência. Isso se converte em gasto extra para o sistema de saúde, obrigado a desembolsar mais na hora de adquirir medicamentos.

O Supremo Tribunal Federal tem a chance de corrigir essas distorções ao julgar a constitucionalidade dessa lei. Que a justa proteção dos interesses do inventor, assegurada pelo mecanismo da patente, possa, enfim, conviver com um ambiente de concorrência tecnológica, tão necessária para o progresso nacional.

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