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Leonardo Avritzer

Representação e intolerância

Presidente da Conib não sabe o que é tolerância no Brasil, tampouco o que é democracia em Israel

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Leonardo Avritzer

Professor titular do Departamento de Ciência Política da UFMG

A ida do presidente da Conib (Confederação Israelita do Brasil), Claudio Lottenberg, a uma reunião política convocada pelo presidente Jair Bolsonaro despertou indignação, senão fúria, em amplos setores da comunidade judaica brasileira. Diversas perguntas foram feitas e continuam sem resposta. A saber: se o jantar era com empresários, o que fazia ali o presidente da Conib, que não é uma entidade empresarial? Em segundo lugar, se a reunião era de apoio político explícito ao presidente, com autorização de quem o presidente da Conib foi ao evento?

No dia seguinte à reunião, após ter recebido indagações e até mesmo cartas de protesto, Claudio Lottenberg ofereceu duas respostas aos seus críticos à coluna Painel, da Folha. Disse ele: “Gostam de atacar, não compreendem o que é exercício da democracia e agem mais uma vez com intolerância”.

Em segundo lugar, justificou sua participação reivindicando a relação do governo Bolsonaro com o Estado de Israel. Ele mencionou “a aproximação recente entre os governos do Brasil e de Israel, “que representa a única e verdadeira democracia no Oriente Médio. E isso vem ao encontro dos princípios de liberdade de todos nós brasileiros". Ambas as colocações sugerem falta de conhecimento e falta de informação por parte do presidente da Conib.

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O ministro Paulo Guedes (Economia) dá entrevista após jantar de reaproximação de Bolsonaro com empresários - Mathilde Missioneiro - 7.abr.21/Folhapress

Em relação à questão da democracia e da tolerância, Lottenberg mostra uma incapacidade absoluta de entender o significado do conceito. Jair Bolsonaro não apenas atua, como presidente, utilizando-se fartamente de atos de violência simbólica, como também ameaça membros e instituições cujo objetivo é garantir os direitos das minorias, tal como ficou claro nos seus conflitos recentes com o STF.

Assim, fica a pergunta acerca do conceito de tolerância do presidente da Conib: trata-se de aceitar qualquer opinião mesmo daqueles que são contra a tolerância e a democracia ou apenas de ser servo daqueles que exercitam o poder, entendendo como virtude não se posicionar quando atacam as minorias e as instituições democráticas? Caso a segunda alternativa prevaleça, seria um erro grave para um dirigente de uma comunidade com forte identificação com a defesa dos direitos humanos.

O desconhecimento do presidente da Conib não encontra fronteiras geográficas. Assim, da mesma maneira que ele não sabe o que é tolerância no Brasil, tampouco sabe o que é democracia em Israel. Israel é sim a democracia mais consolidada do Oriente Médio e parece ser justamente por esse motivo que o primeiro-ministro e o governo israelense procuraram ostensivamente se afastar do governo de Jair Bolsonaro nos últimos meses.

Na expedição em busca do spray milagroso contra o coronavírus, um dos últimos atos do ex-ministro Ernesto Araújo, a comitiva teve dificuldades em ser recebida por Binyamin Netaniahu, que remarcou o compromisso diversas vezes. Os insistentes pedidos de uma foto e de uma nota no site do Ministério das Relações Exteriores de Israel não foram atendidos.

Claudio Lottenberg em jantar anual da Conib, em 2019 - Greg Salibian - 11.abr.19/Folhapress

Ainda mais significativa foi a troca recente do embaixador de Israel, amigo do clã Bolsonaro e que participou de diversas manifestações públicas bolsonaristas. Ele está sendo substituído por um diplomata de carreira, Danny Zonshine, que já ocupou importantes posições na chancelaria israelense e será um representante do Estado e não das relações do clã Bolsonaro em Israel.

Assim, Lottenberg comete seu segundo erro ao deixar de entender que existe uma separação entre líder e Estado. Ele exalta a democracia israelense, mas é incapaz de entender o significado da “impessoalidade” das relações estabelecidas pelo Estado, que é própria dos regimes democráticos.

O apoio acrítico a governos de orientação autoritária por parte das lideranças das comunidades judaicas europeias foi parte da tragédia que se abateu sobre os judeus na primeira metade do século 20. Claudio Lottenberg parece não ter aprendido nada com essa história.

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