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Incêndio que atingiu Cinemateca ilustra ímpeto destrutivo do governo sobre setor

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Incêndio na Cinemateca, na Vila Leopoldina, em São Paulo
Incêndio em depósito da Cinemateca, em São Paulo - Arthur Sens/Arquivo pessoal

Não será descabido tomar o incêndio que consumiu parte do acervo da Cinemateca Brasileira como metáfora da relação do governo Jair Bolsonaro com a política cultural.

Desde o início, a administração avança com ímpeto destrutivo sobre o setor, desfigurando, conspurcando e paralisando seus órgãos de Estado por meio do aparelhamento ideológico, da intervenção autoritária, do tumulto administrativo.

O fogo que ardeu na noite de quinta-feira (29) num dos galpões da Cinemateca, como já se disse, pouco teve de acidental. Antes constitui o desfecho do abandono a que foi relegada a principal guardiã da memória do cinema nacional, criada em 1956.

Alertas não faltaram —do Ministério Público Federal, da imprensa, de especialistas da área e, finalmente, do próprio passado. Essa foi a quinta vez que um desastre desse tipo acometeu a instituição.

O fato de o incêndio ter ocorrido num depósito, e não na sede principal da Cinemateca, ambos localizados em São Paulo, em nada diminui a tragédia que resultou na perda irreparável de obras e documentos relevantes da história do cinema brasileiro.

A destruição ainda está por ser dimensionada. Segundo os bombeiros, cerca de 25% da estrutura foi atingida, em particular salas do primeiro andar que abrigavam de películas antigas a arquivos impressos. O incêndio teria se iniciado ali, durante a manutenção do sistema de ar condicionado.

Estima-se que foram calcinadas algo como quatro toneladas de documentos relacionados à história das políticas públicas do setor desde os anos 1960. Também podem ter sido incinerados projetores e aparelhos antigos, além de cópias e matrizes secundárias de filmes.

Embora os problemas da Cinemateca remontem a administrações anteriores, foi na atual que eles alcançaram o paroxismo. Primeiro, a instituição foi colocada numa espécie de limbo jurídico-institucional que travou os repasses à organização social que a geria.

O impasse durou até agosto do ano passado, quando o governo federal decidiu reassumir a Cinemateca. Todos os funcionários foram demitidos, e o acervo, abandonado, restando apenas os serviços de manutenção predial.

A tragédia ganhou uma nota de escárnio nesta sexta. Enquanto os escombros ainda fumegavam, o governo anunciou o edital, aguardado havia meses, para a contratação da nova gestora da instituição.

editoriais@grupofolha.com.br

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