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Transferência de concessão é inconstitucional

Espera-se que o Supremo honre o papel de guardião da Carta e não se submeta a interesses do poder econômico

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A Constituição admite que o Estado preste serviços públicos direta ou indiretamente. Em relação à prestação indireta, por meio de empresas privadas, o Constituinte exigiu a outorga por concessão ou permissão após prévia licitação. Interessante notar a ênfase constitucional: “sempre através de licitação” —é o que consta expressamente do art. 175. Assim, a outorga da concessão demanda a realização de prévia licitação, o que não pode ser afastada pela mera vontade do legislador, muito menos do administrador público.

Infelizmente, o respeito à Constituição, no Brasil, é a exceção. Diante de nossa realidade, não surpreende o aviltante menoscabo à enfática exigência constitucional de licitação para outorga da prestação de serviços públicos, muitas vezes apoiada por significativa parcela da comunidade jurídica brasileira. O tema voltou à luz, recentemente, no julgamento da ADI 2.946 pelo Supremo Tribunal Federal. A ação impugnou a validade do art. 27 da Lei Geral de Concessões (Lei 8.987/95).

O dispositivo prevê a possibilidade de alteração do controle societário da concessionária. Caso não seja realizada como manobra para fraude à licitação, esta alteração faz parte do dia a dia da empresa, da vida empresarial, e nada tem de inconstitucional.

Bem diferente é a transferência da própria concessão. Realizado o processo licitatório, suponha-se que certa empresa seja considerada vencedora, não apenas por ter sido habilitada ao certame, mas também por apresentar a melhor proposta. A lei prevê que, em manifesta fraude à competição, posteriormente, a empresa transfira o objeto licitado a terceiro. Para tanto, o art. 27 da lei 8.987/95 exige apenas a anuência do poder concedente. Bastaria a este “anuir” e um terceiro, sem vencer processo licitatório, assume a concessão. Ora, não demanda muito esforço ou reflexão para percebermos que essa transferência deságua em clara afronta à imperiosa necessidade de licitação.

Se o concessionário não tiver condições de continuar prestando o serviço, deve, regra geral, ter rescindido o contrato. Provisoriamente, o poder público poderá, inclusive, assumir a prestação, podendo, excepcionalmente, contratar outra empresa privada para mantê-la, enquanto não concluído novo processo licitatório. Transferir a concessão para terceiro, sem que este tenha vencido uma competição pública, viola às claras o art. 175 da Constituição vigente.

Parcela da doutrina, desde a edição da lei 8.987/95, apontou a inconstitucionalidade do art. 27, que assinala a possibilidade dessa cessão sem licitação. Contudo, nestes tempos de quase completa submissão ao poder econômico, nada surpreende que muitos não apenas tenham silenciado em relação à inconstitucionalidade, mas a defendido apaixonadamente.

A ADI 2.946, proposta em 29 de julho de 2003, impugnou essa violação. Em 6 de agosto último, o relator, ministro Dias Toffoli, levou à ação ao Plenário do STF, iniciando seu julgamento. Em voto irretocável, surpreendeu o poder econômico e afirmou, de modo objetivo, com precisão cirúrgica, o que a boa doutrina sempre dissera: a transferência de concessão, sem a observância de nova competição pública, com garantia da igualdade entre os interessados, e comprovação de cumprimento dos requisitos de habilitação, viola a enfática exigência constitucional de que a prestação indireta sempre se dê “através de licitação”. Foi acompanhado pelo ministro Alexandre de Moraes.

Em 10 de agosto, o julgamento foi interrompido pelo pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. Submeter-se-á o Supremo Tribunal Federal aos interesses do poder econômico ou cumprirá o seu papel de guardião da Constituição? Ninguém pode saber. Os votos dos ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes, porém, são um sopro de esperança nestes tempos tão sombrios. Ainda há quem defenda nossa Constituição!

Celso Antônio Bandeira de Mello
Professor emérito da PUC-SP

Ricardo Marcondes Martins
Professor de direito na PUC-SP

Weida Zancaner Bandeira de Mello
Ex-professora da PUC-SP

Carolina Zancaner Zockun
Professora de direito na PUC-SP

Pedro Estevam Serrano
Professor de direito na PUC-SP

Irene Nohara
Professora de direito no Mackenzie

Maurício Zockun
Professor de direito na PUC-SP

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