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Ubiratan Cazetta

PEC do CNMP: uma luta corporativa ou da sociedade?

Independência funcional do Ministério Público precisa ser preservada, sem interferências

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Ubiratan Cazetta

Presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República)

No campo das ideias, o embate é salutar e fortalece quem participa da discussão, pois permite que, a partir de argumentos concretos, se possa avançar, alterar formas de ver e, se for o caso, mudar de opinião.O problema, então, não é a divergência, mas a consistência do pensamento e dos fatos que lhe dão suporte.

Nesta terça-feira (19), a Câmara dos Deputados deverá votar, em primeiro turno, a PEC 05, uma proposta que altera a Constituição Federal para mudar a composição do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), órgão encarregado do controle administrativo e financeiro do Ministério Público brasileiro.

Criado em 2004, o CNMP se destina, também, a julgar os membros do MP que sejam acusados de praticar abusos ou de faltas funcionais. Composto por 14 membros, o CNMP conta hoje com 6 de seus conselheiros oriundos de outras carreiras (juízes, advogados, cidadãos indicados pelo Senado e pela Câmara dos Deputados), além do procurador-geral da República (cargo de livre escolha pelo presidente da República) e 7 membros do Ministério Público.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que defende que o CNMP não pune membros da categoria que cometem desvios - Maryanna Oliveira - 13.out.21/Câmara dos Deputados

A partir da afirmação de que o CNMP não pune os membros do Ministério Público, a PEC 05 altera a estrutura do órgão (que passaria a ter 17 conselheiros), aumenta para 9 o número de membros indicados por outras instituições e estabelece que o corregedor nacional será indicado diretamente pelo Congresso, segundo seus próprios critérios, dentre ex-procuradores-gerais de Justiça.

Mas será verdadeiro que o CNMP não pune? Quais os números que sustentam tal afirmação? Uma leitura desapaixonada dos dados desmente a afirmação, bastando lembrar que, considerando os números de 2011 a 2021, o CNMP aplicou 283 punições, em número bem superior ao aplicado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que tem função semelhante ao CNMP.

É bom registrar que não é apenas o CNMP que pune os membros do Ministério Público, já que os 30 Ministérios Públicos que existem no Brasil também aplicam sanções diretamente, cabendo ao CNMP atuar apenas em casos específicos.

Se os números não confirmam a tese, o que motiva a mudança? Toda instituição pode ser aperfeiçoada, e o CNMP não é diferente, mas a pergunta que se deve fazer é se as propostas melhoram o funcionamento do CNMP ou trazem algum risco para a atuação do MP brasileiro.

É da essência da atuação do MP ser um incômodo, apontar erros, discutir políticas públicas, defender o meio ambiente, fazer a acusação nas ações penais. Não é uma função que se exerce sem contrariar, corretamente ou não, interesses e, portanto, precisa ser exercida com responsabilidade, mas, também, com garantias, dentre elas a de que terá sua independência preservada.

A independência funcional não protege apenas o MP, atuando como uma garantia para a sociedade, que espera uma atuação proativa, sem amarras, responsável, capaz de fazer valer os direitos de todos, procurar a solução justa e a reparação dos danos à coletividade e às vítimas.

A escolha de um corregedor nacional pelo Congresso Nacional fortalece tal independência ou a fragiliza? Um corregedor, escolhido por critérios políticos, ainda que seja um membro do Ministério Público, traz em si um componente externo que não ajuda na independência dos membros, abrindo espaço para uma interferência que reduz o critério técnico que deve basear as decisões do CNMP.

Não se trata, então, de apenas discutir interesses corporativistas, voltados ao próprio umbigo da instituição, mas, sim, de discutir se as medidas propostas melhoram ou fragilizam o CNMP. Os problemas devem ser enfrentados com diagnóstico preciso e com medidas que lhes sejam compatíveis, não apenas com discurso.

A sociedade pode e deve fazer um debate amplo sobre o Ministério Público, seus erros e acertos e a forma de melhorar sua atuação, olhando para o futuro, mas não pode tomar decisões apressadas, pressionadas pelo passado recente.

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