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Nelson Mussolini

A quebra de patentes fará diferença no acesso a vacinas e medicamentos durante a pandemia? NÃO

Obtenção de imunizantes em tempo recorde resultou de articulação global

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Nelson Mussolini

Presidente-executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) e membro do Conselho Nacional de Saúde

É uma falácia imaginar que a suspensão dos direitos de propriedade intelectual de vacinas e medicamentos contra a Covid-19 resultará na ampliação imediata da oferta desses produtos. A complexidade e o tempo necessário para concretizar esses processos, em seus diversos aspectos científicos, tecnológicos, operacionais e financeiros, é uma barreira intransponível.

Continuar promovendo a articulação global para alavancar a produção e a distribuição de vacinas e medicamentos para combater o vírus Sars-CoV-2 é a chave para que possamos alcançar a cobertura vacinal necessária para controlar a pandemia em todo o planeta.

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Funcionárias trabalham na inspeção visual da linha de produção de doses da vacina Coronavac, no Instituto Butantan, em São Paulo - Eduardo Anizelli - 14.jan.21/Folhapress

Foi o esforço conjunto de empresas, governos e centros de pesquisa que resultou na obtenção de imunizantes e medicamentos em tempo recorde. Quebrar patentes não facilita nem acelera o atingimento desse objetivo.

É sempre melhor buscar convergências. O enfrentamento da Covid-19, naquilo que se mostrou seu ponto fundamental —a descoberta e a produção em larga escala de vacinas para combatê-la—, evidenciou isso. Não fosse a disposição para negociar da parte de indústrias farmacêuticas nacionais e internacionais, de instituições de pesquisa e desenvolvimento em saúde e das autoridades brasileiras e mundiais, o drama da pandemia teria sido ainda maior. Todas as vacinas disponíveis e a maioria das que estão em diferentes fases de teste foram desenvolvidas em regime de parceria.

Historicamente, a tese da "quebra de patentes" tem cumprido apenas um papel meramente comercial, para reduzir preços. Mas aqui a situação é outra.

Especialistas concordam sobre a inviabilidade do aumento imediato e relevante da produção de vacinas com a quebra de patentes, pois o início da produção demanda altos investimentos e demora muito: não basta copiar fórmulas, é preciso saber fazer. Vide o exemplo do Efavirenz, cujo licenciamento compulsório, em 2007, não teve efeito prático durante anos, até que sua patente expirasse no Brasil, em 2012.

Assim, paradoxalmente, em nome do "direito à vida", os defensores da quebra de patentes das vacinas da Covid-19 estariam, inadvertidamente, condenando populações inteiras à morte, pois no médio e longo prazo essa iniciativa geraria enorme insegurança jurídica, cujo resultado provável seria a retirada de atuais e futuros investimentos das indústrias farmacêuticas nesses produtos.

E, além de ameaçar a fabricação e o fornecimento de vacinas, a medida afetaria todas as indústrias farmacêuticas instaladas no Brasil, empresas nacionais e internacionais, públicas e privadas que atuam de acordo com a Lei de Propriedade Intelectual brasileira e o Acordo Sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Trips) da Organização Mundial do Comércio, impossibilitando que ocorressem as bem-sucedidas iniciativas para a produção de vacinas no país envolvendo Butantan/Sinovac, Fiocruz/AstraZeneca e Eurofarma/Pfizer, entre outras parcerias.

Diante dos desafios sanitários, econômicos e sociais impostos pela atual pandemia e dos riscos de surtos futuros, existe um único caminho eficaz: patrocinar arranjos multilaterais, acordos de fornecimento e intercâmbio tecnológico, sem regras de exceção.

É dessa colaboração que já estão saindo e virão outras soluções realistas e de largo alcance para combater a pandemia e imunizar as populações no Brasil e no mundo contra o Sars-CoV-2 e novos coronavírus. A negociação é a vacina para se obter mais vacinas.

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