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Inovação no mercado de capitais poderia vir do Brasil

É possível criar sistemas de financiamentos com pagamento vinculado à renda

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Alex e Tina são sócios em um pequeno negócio de sucesso e pretendem abrir filiais. Para isso, recorreram a uma linha de crédito diferente: as prestações equivalem a 3% do faturamento mensal que conseguirem após a expansão e pelo tempo necessário à quitação da dívida.

Lídia faz um curso de programação. Não paga mensalidades, mas firmou com a instituição de ensino uma espécie de "sociedade". Durante os cinco anos subsequentes à conclusão do curso, ela compromete-se a, sempre que estiver empregada, pagar o equivalente a 15% do que receber. Quando desempregada, nada paga.

A primeira história ilustra a forma com a qual os governos da Austrália e Inglaterra financiam estudos superiores. São os empréstimos com amortizações condicionadas à renda (ECRs). A segunda existe no Brasil: ao menos 3 startups já oferecem contratos desse tipo. Importaram um "primo" dos ECRs, os "income share agreements" (ISAs), novidade que tem crescido pelo mundo como alternativa ao crédito educativo.

Em 1955, Milton Friedman sugeriu que incertezas que afastam a iniciativa privada do financiamento a cursos técnicos e superiores seriam contornadas se a expectativa de renda futura passasse a ser aceita como colateral em financiamentos estudantis. O bem financiado (educação) não pode ser "tomado de volta", mas seus altos retornos médios viabilizariam o negócio, desde que garantida a efetivação de uma "sociedade temporária" entre financiador e financiado.

O problema estava justamente na "garantia de efetivação" da "sociedade temporária". Quando James Tobin, nos idos de 1970, desenhou para estudantes da Universidade de Yale um programa de empréstimo reembolsável conforme a renda futura, a ideia de Friedman parecia sair do papel. O que poderia dar errado? Yale sempre foi uma boa universidade, mas seu forte nunca foi aferir a renda das pessoas ou coletar pagamentos vinculados a esta. Assim, o programa acabou rapidamente descontinuado.

A expansão recente dos ISAs seria uma repetição dessa história? As informações disponíveis apontam estratégias que, além de processos seletivos, incluem parcerias com empregadores e uso de big data para checar informações sobre rendas e paradeiros. Ainda que isso baste, é provável que tais iniciativas se restrinjam a nichos específicos de cursos, instituições e estudantes.

Já os sucessos australiano e inglês nesse modelo se devem à disponibilidade de informações acuradas e atualizadas sobre renda e à automatização de pagamentos. Como? Com o envolvimento do sistema tributário. Os pagamentos são recolhidos na fonte pela administração tributária, como se tributos fossem
—ainda que para o cidadão opere como um sistema de empréstimos estudantis. A engrenagem funciona tão bem que Joseph Stiglitz vê no arranjo uma inovação capaz de revolucionar a forma como governos financiam diversas necessidades humanas, não só a educação.

A nosso ver, a revolução pode ser maior do que a preconizada por Stiglitz. É possível desenhar amplos sistemas público-privados de financiamentos com pagamentos vinculados à renda, desde que o sistema tributário seja o elemento garantidor da efetivação da "sociedade temporária" entre financiador e financiado.

É uma inovação nos mercados de capitais que beneficiaria sobretudo países em desenvolvimento, onde orçamentos públicos costumam ser mais constritos, e problemas de subfinanciamento, maiores. Essa revolução pode ganhar escala no Brasil, talvez mais rapidamente do que no mundo desenvolvido, a partir de ajustes no que já existe.

O desenho proposto teria um cerne comum para financiar pessoas ou empresas: instituições financeiras ofertam ISAs e/ou ECRs; a Receita Federal recolhe uma contribuição na fonte de quem acessou o crédito; entidade estatal atua como órgão gestor, fazendo meio de campo entre Receita e financiadores; e uma agência regularia o mercado. Financiadores públicos e privados coexistiriam em distintos nichos —tudo operando em torno de um tributo que não aumenta a carga tributária, mas transforma em custo variável o pagamento da dívida, em geral um custo fixo.

Esse tipo de financiamento pode ser usado em diversas áreas. Comecemos por educação e empreendedorismo.

Paulo Meyer Nascimento
Pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e professor visitante da Escola de Políticas Públicas e Governo da FGV

Mauro Oddo Nogueira
Pesquisador e professor do mestrado do Ipea

Luiz Alberto Esteves
Economista-chefe do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e professor licenciado do Departamento de Economia da UFPR

Giovanni Silva Beviláqua
Analista técnico do Sebrae Nacional

Fabiano Mezadre Pompermayer
Pesquisador do Ipea e subsecretário de Planejamento da Infraestrutura Nacional (Ministério da Economia)

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