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Pedro Villardi e Felipe Carvalho

A quebra de patentes fará diferença no acesso a vacinas e medicamentos durante a pandemia? SIM

Recompensar a inovação não pode ser um ato que exclua milhões da saúde

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Pedro Villardi

Doutor em saúde coletiva, é coordenador do GTPI (Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual), coalizão de organizações em defesa da saúde pública

Felipe Carvalho

Jornalista, é coordenador no Brasil da Campanha de Acesso a Medicamentos de Médicos Sem Fronteiras (MSF)

Foi a quebra de patentes que expandiu o acesso aos tratamentos de HIV/Aids, hepatite e câncer. Esse mecanismo legal ajuda até hoje a salvar milhões de vidas pelo mundo. Diante de uma pandemia sem data para acabar, com novas variantes se espalhando, a quebra, ou melhor definindo, o licenciamento compulsório é a medida mais reconhecida para ampliar, em médio e longo prazo, o acesso da população às vacinas, aos diagnósticos e novos medicamentos de combate à Covid-19.

Na prática, ao se licenciar compulsoriamente uma patente, o governo deixa de estar obrigado a comprar de apenas um fornecedor. Pode negociar com outros. Um novo ambiente de concorrência e transparência otimiza as negociações e, com o barateamento pelos genéricos e biossimilares, ajuda a colocar remédios e vacinas nas prateleiras do SUS.

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Fábrica do Instituto Butantan onde são produzidas doses da vacina Coronavac - Eduardo Anizelli 14.jan.21/Folhapress

É uma medida equilibrada. As empresas donas das patentes seguem vendendo seus produtos e recebem royalties dos concorrentes. No caso do Brasil, deve ser aplicada a Lei das Licenças (14.200/2021), que torna o processo mais eficiente, promovendo o compartilhamento de fórmulas, conhecimento e materiais essenciais.

Fará uma enorme diferença positiva para o Brasil aplicar a Lei das Licenças como ela foi democraticamente aprovada em três votações no Congresso, sem os vetos presidenciais. Primeiro porque, além de dar a partida para a produção própria, poderá comprar de mais fornecedores. É evidente que as inovações dependem de tempo até a produção final, mas seria imediatamente rompido o ciclo de absoluta dependência futura das grandes farmacêuticas, que, aliás, já demonstraram não conseguir atender sozinhas às demandas globais atuais. Nem sequer as futuras, diante da necessidade de doses de reforço.

Não há insegurança jurídica. O licenciamento compulsório é previsto nos acordos internacionais. Não causa riscos ao sistema de propriedade intelectual. Tanto que tem sido usado por países de toda faixa de renda nos últimos cem anos. Israel, Rússia e Indonésia já usaram licença compulsória para três medicamentos na pandemia e outros seguem nesta direção, como o Canadá. Inclusive os EUA defenderam as licenças. É uma tendência global. Também é descabida a ideia de "transferência forçada de tecnologia". O Acordo sobre Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Trips, na sigla em inglês) é claro em seu artigo 39: os segredos industriais não são absolutos e devem estar subordinados ao interesse público. Nunca o inverso.

No Brasil, há casos concretos para aplicação da licença. Já existem cinco pedidos de patente para o Molnupiravir, quatro para a vacina da Janssen e três para a da Moderna, por exemplo. Ao redor do mundo, mais de 30 empresas já indicaram sua capacidade de produção se houver compartilhamento legal do conhecimento. A produção de algumas vacinas é menos complexa do que se imagina. Um ex-diretor químico da Moderna declarou que, se as fórmulas fossem reveladas, outras empresas poderiam produzir as vacinas em três meses.

O que incomoda as farmacêuticas é a redução dos lucros projetados para médio e longo prazo. Mas a propriedade intelectual não pode ser usada assim. Recompensar a inovação não pode ser um ato desproporcional que causa a exclusão de milhões de pessoas do direito à saúde. Os laboratórios não terão prejuízos, graças aos royalties. Só reduziriam pesquisas e distribuição se fossem algozes, capazes de chantagear populações inteiras dependentes de seus produtos para escapar da morte. Acreditamos não ser o caso. Vidas sempre valem mais.

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