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Aquiles Marchel Argolo

Onde estão os jornalistas pretos?

Falta representação, mas não queremos falar apenas das mazelas do racismo estrutural

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Aquiles Marchel Argolo

Bacharel em jornalismo pela Universidade Guarulhos (UNG), é fã de cultura pop e "desinfluenciador convicto"

Grandes veículos de comunicação abrirem espaço para visões diametralmente opostas às lutas do movimento negro é um reflexo direto da falta de profissionais negros dentro desses veículos. Ver Maju Coutinho e Heraldo Pereira comandando grandes telejornais pode dar a impressão de que estamos dando grandes passos em direção a um jornalismo mais plural, mas é um engano. Nem Lula, o ex-presidente mais popular da atualidade, pensou em levar mídias negras independentes para uma entrevista recente. O Alma Preta Jornalismo poderia estar tranquilamente entre os presentes, mas, assim como a imprensa brasileira, a esquerda também evita racializar suas pautas.

Dados do Perfil Racial da Imprensa Brasileira, divulgados em novembro de 2021, mostram que a maioria da categoria é branca: 77,1%. Segundo dados da mesma pesquisa, no Brasil, 98% dos jornalistas que se declaram pretos ou pardos consideram que os profissionais de imprensa negros enfrentam mais barreiras para consolidar suas carreiras do que os pares brancos.

Os jornalistas negros precisam disputar espaço em veículos voltados exclusivamente para pautas raciais e, sendo eles compostos por equipes enxutas, acabam não suprindo a demanda de bons talentos, que aceitam escrever de graça enquanto continuam em subempregos, tendo de ler absurdos sobre questões raciais pelas mãos de articulistas brancos.

Na faculdade de jornalismo que cursei, havia três ou quatro negros numa sala de aula com 60 alunos. Antes do fim do curso, colegas brancos já tinham espaço em estágios na TV ou em Redações de jornais. Os pretos contavam com a boa vontade da coordenação e podiam estagiar dentro da própria faculdade. Essa tendência nas oportunidades segue aqui fora.

Durante a cobertura da Olimpíada no Japão, um repórter negro apontou que nem mesmo era deslocado para cobrir a conquista de atletas negros pela emissora detentora dos direitos de transmissão e que só conseguiu algumas das pautas pela teimosia de se arriscar —enquanto seus parceiros não negros conseguiam aparecer em mais de uma transmissão durante o dia. Após reportagem apontando a ausência de repórteres pretos numa competição em que atletas afro-brasileiros ganharam medalha, a escalação do profissional para matérias com mais visibilidade, coincidentemente, foi imediata. O exemplo só aponta para a luta que tem sido se tornar visível numa profissão que se esforça para parecer burguesa.

Os jornalistas pretos só têm conseguido espaço onde a chefia também é negra, o que aponta para a necessidade de pessoas pretas chefiando editorias. Sem isso, vamos ter de continuar pegando migalhas do que deixam ou esperar a próxima coluna racista causar polêmica e sermos chamados para tapar buracos.

Se pudermos escrever e sermos lidos para além da nossa bolha, quem sabe possamos sanar a falta de letramento racial endêmico no país e abrir portas para que mais jovens negros sonhem em trabalhar com jornalismo, apurando e redigindo, sendo um antídoto contra editoriais equivocados envolvendo questões raciais. Afinal, imaginem o trabalho que é convencer alguém minimamente situado da nossa história de que não havia nenhum jornalista com consciência racial para barrar conteúdo que serve como ataque direto a mais da metade da população brasileira.

Existe muita paixão dentro da comunidade negra em se ver representada na comunicação, mas não apenas para falar sobre as mazelas do racismo estrutural. Queremos falar de esporte, arte, cultura e entretenimento. Estamos por aí, implorando oportunidades, enviando portfólio, muitas vezes construído com trabalho voluntário. E, enquanto as coisas não mudam, limpamos a mesa com nosso diploma.

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