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Marcio Astrini

Os resultados do 'ambientalismo de resultados'

Ministro prefere fazer o que o bolsonarismo faz de melhor: mentir e distorcer

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Marcio Astrini

Secretário-executivo do Observatório do Clima, rede que reúne 70 organizações da sociedade civil

Tão modesto quanto competente, o ministro Joaquim Leite (Meio Ambiente) se esqueceu de mencionar em seu artigo nesta Folha (17/1) o principal resultado do "ambientalismo de resultados" praticado em sua gestão: em três anos, o governo Jair Bolsonaro deixou que 56 mil km2 de florestas na Amazônia e no cerrado virassem fumaça. É quase meia Inglaterra. Bolsonaro foi o primeiro presidente a ter três altas sucessivas na devastação da Amazônia num mesmo mandato. Um resultado e tanto!

Também passou longe da retrospectiva de Leite o fato de que o Brasil foi o único país do G20 a aumentar emissões de gases-estufa no ano de 2020, quando a pandemia fez a poluição despencar. E que o governo foi processado por ter adotado uma meta climática que reduzia a ambição, violando o Acordo de Paris. E que o número de multas do Ibama no ano passado foi o menor em duas décadas, fato comemorado pelo presidente. O declínio da fiscalização é política pública.

"Resultados", sim —para o crime. O ministro preferiu gastar linhas neste espaço fazendo o que o bolsonarismo faz de melhor: mentir e distorcer.

Diz, por exemplo, que "lançamos o maior programa de pagamento por serviços ambientais do mundo". É uma referência ao programa Floresta+, criado em 2018 com US$ 96,5 milhões obtidos por reduções de desmatamento alcançadas no governo Dilma Rousseff (PT) entre 2014 e 2015.

Além de não ser o maior programa do gênero no mundo —o pagamento por serviços ambientais de Nova York, iniciado em 1997, chegou a US$ 1,5 bilhão—, o Floresta+ passou quase três anos sem sair do papel desde que Ricardo Salles assumiu o ministério. Somente no fim de 2021 a iniciativa selecionou beneficiários. O site do programa informa, sem pudor, que há seis pessoas recebendo os pagamentos. Você leu certo: seis.

Nas concessões de unidades de conservação o ministro faz caridade com chapéu alheio. Celebra o "novo modelo de concessões", omitindo que este começou a ser implementando com Michel Temer (MDB). Cabe aqui um elogio a Ricardo Salles: esta foi uma rara política ambiental existente que ele não destruiu. Resultado é isso aí!

Sobre lixões a céu aberto, embora a cifra mencionada pelo ministro seja correta, não há como atribuir a redução exclusivamente ao governo federal, já que há ações de estados e municípios nesse setor. O prazo original da Política Nacional de Resíduos Sólidos para fechar todos os lixões do país era 2014.

O ministro engana ao falar de um suposto "trabalho integrado" entre ministérios que "fortaleceu o combate a incêndios e desmatamento". O próprio vice-presidente Hamilton Mourão admitiu em novembro que não conseguiu fazer integração nenhuma. O combate ao desmatamento é uma mentira de fazer corar terraplanistas: sob Bolsonaro, a destruição da Amazônia cresceu 76%. No cerrado, o aumento foi de 17%.

Sobre a participação do Brasil na COP26, é difícil saber de que Brasil Leite está falando. Decerto não o que foi para a Conferência do Clima sabendo que o desmatamento na Amazônia havia atingido sua pior marca desde 2006, mas optou por esconder os dados do mundo. Nem o do funcionário do Ministério do Meio Ambiente Vicente Aguilar, que intimidou a estudante Txai Suruí depois que esta discursou na COP em defesa dos direitos indígenas.

Aliás, falando em resultado, Joaquim Leite podia ter contado que o tratado Mercosul-União Europeia encontra-se engavetado desde 2019 por conta da política antiambiental do Brasil. Ou ainda que o Fundo Amazônia, iniciativa pioneira em defesa da floresta, continua paralisado, com mais de R$ 3 bilhões em caixa, enquanto a motosserra canta.

Em toda essa realidade paralela, o mais incrível é tentar saber a quem Leite ainda acha que engana. A "passagem da boiada" já levou à suspensão de acordos, a boicotes e, neste ano, a uma sinalização da Black Rock de que só voltará a investir no Brasil quando o governo mudar. Após três anos, o único resultado que o mundo espera do atual governo é uma derrota nas urnas em outubro próximo.

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