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Jorge Kalil

Brasil precisa fortalecer sistema de alerta para emergências sanitárias

Além da pandemia de Covid-19 em curso, o país vê crescer os casos de dengue

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Jorge Kalil

Médico imunologista, é professor da Faculdade de Medicina da USP e diretor-presidente do Instituto Todos pela Saúde (ITpS)

Zika, dengue, chikungunya, febre amarela, H1N1, H3N2 e Sars-CoV-2. O Brasil enfrenta há décadas a ocorrência de sucessivas emergências sanitárias em intervalos cada vez menores. O surgimento e a disseminação do novo coronavírus, que levou o mundo à mais grave crise de saúde pública em um século, fez o país reorganizar sua rede de vigilância epidemiológica, ainda insuficiente frente aos desafios atuais e aos que se avizinham.

Para identificar e acompanhar emergências sanitárias causadas por vírus ou bactérias, o sequenciamento genômico dos agentes é crucial. Por meio dessa técnica, é possível identificar qual vírus ou bactéria está causando, por exemplo, a alta de internações em determinada localidade. Também revela se certo agente infeccioso voltou a circular ou se estamos diante de algo novo.

O imunologista Jorge Kalil em laboratório do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Incor)
O imunologista e professor da USP Jorge Kalil em laboratório do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas, em São Paulo - Diego Freire/Divulgação

Em 2015, na epidemia do vírus zika, foram necessários 18 meses para descobrirmos que se tratava de uma nova doença, não de dengue. Como os sintomas de zika e dengue são semelhantes, não foi soado o sinal de alerta. Com o sequenciamento genômico, o Brasil teria avançado mais rapidamente nessa batalha.

A fragilidade do sistema brasileiro também foi notada no início de 2021. O Japão identificou e sequenciou a variante gama do Sars-CoV-2 ao mesmo tempo que o Brasil, onde a cepa já circulava havia semanas. Na ocasião, Manaus enfrentou o colapso de seus sistemas de saúde e funerário. Uma rede eficiente teria alertado os governos para a gravidade da variante, possibilitando a adoção de medidas adequadas.

Para ajudar o Brasil a monitorar o avanço da ômicron, identificada em novembro na África do Sul, o Instituto Todos pela Saúde (ITpS) vem realizando levantamentos semanais em parceria com os laboratórios privados DB Molecular, Dasa e CDL. Por meio do teste RT-PCR Especial, mostramos como a ômicron se alastrou, atingindo 98,7% das amostras positivas para o Sars-CoV-2 na primeira semana deste ano e caindo para 4,5% na semana entre os dias 13 e 19 de março.

Com os dados compartilhados pelos laboratórios, o ITpS também acompanhou a chegada da sublinhagem BA.2 da ômicron, que entrou no Brasil após a BA.1 ter se disseminado e se tornado predominante. Segundo o mais recente levantamento, concluído no fim de março, a proporção de casos prováveis de ômicron BA.2 cresceu de 3,8% para 27,2% em três semanas (27 de fevereiro a 19 de março). O teste RT-PCR Especial não substitui o sequenciamento, necessário para a identificação precisa da variante, mas auxiliou o país a ter um cenário atualizado.

Para monitorar a pandemia, é necessário sequenciar ao menos 0,5% das amostras positivas para o Sars-CoV-2. No Brasil, a taxa é de 0,42%, segundo a plataforma internacional Gisaid. O percentual é baixo mesmo quando comparado a países vizinhos (Chile, 0,65%) ou outros com situação econômica similar (México, 1%). Se o parâmetro for as nações mais ricas, o degrau é ainda maior. O índice é de 11,9% no Reino Unido.

Para além da baixa taxa de sequenciamento genômico no país, pesam as desigualdades entre estados. Levantamento do ITpS na Gisaid, em que laboratórios de todo o mundo depositam dados de Sars-CoV-2, revela que em São Paulo foram sequenciadas nos primeiros 18 meses da pandemia (março de 2020 a agosto de 2021) 0,72% das amostras positivas. Rio de Janeiro e Amazonas aparecem em seguida, com taxas de 0,63% e 0,62%, respectivamente. Esses são os únicos estados com índices acima do desejado 0,5%. A estrutura amazonense não dá conta do sequenciamento e, por isso, vale-se do auxílio de laboratórios de outras regiões. Mesma situação enfrenta a maioria dos estados.

Grande parte do Brasil vive um apagão de dados devido à baixa capacidade de sequenciamento. Dezoito estados e o Distrito Federal tiveram menos de 0,2% das amostras sequenciadas no período analisado.
Sem laboratórios com infraestrutura técnica, profissionais capacitados e insumos, o Brasil não tem condições de monitorar a circulação de agentes infecciosos em tempo real, medida essencial para que os governos definam políticas públicas e mitiguem riscos para a população.

O Brasil precisa com urgência fortalecer seu sistema de alerta e integrar a rede de vigilância epidemiológica. Além da pandemia de Covid-19 em curso, o país vê crescer os casos de dengue. Recente boletim do Ministério da Saúde revela alta de 43,2% em 2022, até a semana epidemiológica 7, em relação ao mesmo período de 2021. A queda geral das taxas de vacinação, incluindo o imunizante contra poliomielite, também acende o alerta. As próximas emergências sanitárias virão, não há dúvida. Precisamos estar preparados.

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