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Luis Barbieri, Fernando Andreote e Christiane Paiva

Resgatar o solo para salvar a lavoura

Crise de fertilizantes é oportunidade para revolução sustentável no campo

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Luis Barbieri

Cofundador da Folio, rede de produtores e pesquisa em grãos orgânicos

Fernando Andreote

Professor do Departamento de Ciências do Solo da Esalq/USP

Christiane Paiva

Pesquisadora da Embrapa Milho e Sorgo

Acostumado a ser colocado no papel de "celeiro" do mundo por sua capacidade de produzir e exportar alimentos, o agronegócio brasileiro voltou a chamar atenção diante do risco de falta de fertilizantes após a eclosão da guerra entre a Rússia e a Ucrânia.

Grande importador de adubos a base de nitrogênio, fósforo e potássio —NPK, o trio mais importante do grupo de macronutrientes que as plantas precisam para crescer— da região em conflito, o país se vê às voltas com a alta nos preços internacionais e a ameaça de não os receber a tempo da próxima safra, no segundo semestre.

A guerra acelerou a divulgação de um Plano Nacional de Fertilizantes pelo governo para reduzir a dependência do exterior em 30 anos. Alguns caminhos apontados —exploração de novas jazidas, investimento para escoamento e incentivos fiscais para a produção— são a parte mais óbvia e visível da equação. Faltou o que não é alcançável aos olhos: a urgência em repovoar nosso solo com bactérias, fungos e outros microrganismos para restabelecer a saúde da lavoura.

Ao longo das décadas, os solos brasileiros foram perdendo sua rica vida subterrânea com o desmatamento, que retirou a matéria orgânica —folhas, raízes, insetos— que serve de alimento para microrganismos. A agricultura que veio a seguir nem sempre manejou o solo de forma correta para mantê-lo biologicamente ativo. Sem matéria orgânica, os microrganismos foram reduzidos drasticamente. A falta deles é catastrófica para o ambiente e a economia.

Fungos e bactérias são os responsáveis pela absorção dos nutrientes pelas plantas. Eles as ajudam a quebrar as moléculas de elementos orgânicos, grandes e inacessíveis à membrana celular, e disponibilizá-las na forma inorgânica, de moléculas mais simples. Sem esse serviço, as plantas morreriam de fome com o prato cheio na mão.

Os fertilizantes sintéticos foram a resposta da indústria ao desafio de trazer fertilidade ao solo na forma inorgânica —"mastigada" e para consumo imediato. Isso é ruim, porque o uso contínuo de NPK, associado à falta de análise do solo e ao manejo integrado, rompe o equilíbrio vital para a saúde do solo —e, por tabela, da lavoura.

O produtor brasileiro aplica fertilizantes em volumes muito maiores do que necessita, já que grande parte não é absorvida pela planta. A aplicação do fósforo, por exemplo, cresceu 5,5% ao ano em 20 anos, ante 2,6% de expansão da lavoura. O fósforo tende a se prender nas partículas do solo e ficar inacessível à raiz. Por isso, o produtor tem de usar muito mais adubo fosfatado para uma absorção ínfima. Na média, de 100 kg aplicados, só 10 kg vão para a planta.

Estudo da Esalq-USP, Embrapa e outras entidades, publicado na Scientific Reports, apontou que o Brasil tem estoque de fósforo no solo superior a 22,8 milhões de toneladas, fruto de contínuas aplicações desde 1960. Acessar essa reserva é de suma importância para o país.

É possível reduzir, no curto prazo, a demanda por fertilizantes com uma arquitetura agronômica que combine práticas como rotação de culturas, cobertura vegetal e plantio direto ao que há de novo no mercado, como bioinsumos e seleção microbiana. O plano federal tangencia o tema com os bioinsumos, mas é preciso mais do que isso.

Empresas e academia já retornam aos microrganismos o protagonismo de uma agricultura sustentável e armazenadora de carbono. A Embrapa tem trabalhado com inoculantes para acessar essa enorme poupança do subsolo. O uso de uma linhagem de bactérias elevou a absorção de fósforo pela planta de 10% para 20% em alguns solos e culturas. Na cana-de-açúcar, chegou-se a 23%.

A análise do solo também ganhou novas camadas. Se antes o mapeamento se limitava a aspectos físico-químicos, o mercado hoje faz o levantamento genético do solo —identificando microrganismos e como eles interagem com as raízes. Em geral, um solo vivo eleva em até 30% a absorção do nutriente pela planta, com percentuais ainda maiores nas leguminosas.

A crise atual de fertilizantes é uma boa oportunidade de começarmos uma nova revolução no campo —e verdadeiramente sustentável.

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