Descrição de chapéu
André Ricardo de Souza

O desafio social de enfrentar o aborto e o suicídio

Avanço civilizatório passa por campanhas e medidas educativas adequadas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

André Ricardo de Souza

Doutor em sociologia (USP), é professor associado do Departamento de Sociologia da UFSCar, pesquisador do CNPq e coordenador do Núcleo de Estudos de Religião, Economia e Política (Nerep)

As mulheres, evidentemente, falam e escrevem com muito mais legitimidade do que os homens sobre o aborto. Entretanto este constitui um drama social, daí a importância do posicionamento a respeito.

Como se sabe, grande quantidade de abortos ocorre no Brasil e no mundo todos os dias. Muitas mulheres de baixa renda morrem ou sofrem males físicos, ficando até com sequelas, por causa de procedimentos abortivos fora de hospitais ou de clínicas capacitadas. Por sua vez, outra grande quantidade de mulheres das classes alta e média aborta em clínicas aparelhadas, sem morrer ou sofrer danos físicos. Os números a respeito são, por vezes, contestados, mas o fato é que a proibição legal, definitivamente, não impede a realização de abortamentos em ambos os contextos socioeconômicos.

A questão do aborto envolve cosmovisões e valores filosófico-religiosos, não sendo de solução simples. Parcela das mulheres, inclusive as abastadas, que aborta sem enfrentar males físicos, acaba sofrendo transtornos psicológicos —algo que, infelizmente, até leva ao suicídio em parte dos casos. As más consequências da tentativa abortiva e do abortamento concretizado precisam, portanto, ser pensadas como referentes à saúde da mulher.

A questão do aborto pode ser comparada à do suicídio. Atingindo, claro, muito mais pessoas do que as mulheres que abortaram, o suicídio, infelizmente, também vitima diariamente grande contingente no mundo e no Brasil. Tais números são bem menos controversos, mas tampouco serão expostos aqui.

Ainda que houvesse uma terrível lei proibindo sua realização e punindo, de algum modo (ainda mais), cônjuges e familiares de suicidas, isto não diminuiria sua ocorrência. O que se pode e deve realmente fazer é a busca da sua prevenção mediante campanhas muito bem elaboradas e medidas educativas calibradas. Não faz sentido algum falar em "direito universal ao suicídio" —ainda que, em tese, todos o tenhamos—, sendo, portanto, consenso de que se trata de um mal a ser enfaticamente evitado.

Pelo fato de ser o aborto algo, por vezes, traumático e danoso —podendo, repito, até levar ao suicídio—, já deveria ser um real consenso também que ele deve ser evitado, igualmente através de campanhas bem elaboradas e medidas educativas adequadas. Por tudo que já foi dito até aqui e seguindo ainda na comparação entre a questão do suicídio e a do aborto, este não deveria, portanto, ser pensado e tratado apenas como um direito da mulher, devendo ser sua prevenção um desafio sanitário-educativo, permanentemente enfrentado. Daremos um importante passo civilizatório enquanto sociedade quando reconhecermos tais fatos e passarmos a enfrentá-los condizentemente.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.​

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.