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Aldo Valentim e Matheus Allison Geraldo

Polarização ideológica e criminalização de artistas

Nossa preocupação deve recair sobre os gestores municipais e suas políticas

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Aldo Valentim

Mestre em artes (Unicamp) e doutorando em políticas públicas (UFRGS), foi secretário nacional de Economia Criativa (2020-2022) e secretário-adjunto de Cultura da Prefeitura de São Paulo (2019)

Matheus Allison Geraldo

MBA em gestão empresarial e graduado em gestão pública (UBC), atuou no gabinete do secretário nacional de Economia Criativa (2020-2022)

A polarização político-ideológica levou artistas a se acusarem recentemente. Uma rixa entre quem recebe apoio da Lei Rouanet e os que são contratados por prefeituras, mostrando desconhecimento generalizado sobre a origem pública dos recursos, as leis de licitação e o incentivo fiscal para a cultura.

Nenhum artista deve ser criminalizado por vender seu trabalho ao poder público ou contar com apoio via Lei Rouanet. Artistas de diversas linguagens e gêneros musicais —sertanejo, pop, MPB, rap— já foram contratados por órgãos públicos, tiveram ou participaram de projetos com apoio de leis de incentivo. Se contratações e projetos foram realizados dentro da lei, não há irregularidades, não há crime.

Nossa preocupação deve recair sobre os gestores municipais: prefeitos, secretários e vereadores, que são os responsáveis por priorizar recursos, definir as políticas culturais e efetivar as contratações necessárias. No entanto é aí que está o principal gargalo: dos 5.570 municípios, 24% possuem secretarias exclusivas para cultura; em 77,4%, a cultura funciona em conjunto ou subordinadas a outras pastas; e 2,3% possuem fundação pública (dados do IBGE).

Ou seja, a maioria sequer dispõe de órgãos e equipes específicas para a implementação de políticas culturais locais. Sem contar toda a politicagem relacionada à distribuição de cargos para indicados ou titulares que pretendem se candidatar e vão usar do espaço, nas secretarias municipais, para alavancar seus nomes perante o possível eleitorado; esse ambiente, portanto, deixa pouco espaço para planejamento.

Outro dado relevante é que o maior financiador de cultura são os municípios. Em 2020, os gastos públicos com cultura atingiram R$ 9,8 bilhões, sendo 50,3% proveniente dos municípios, 36,8% dos estados e 12,9% do governo federal. A Lei Rouanet custou R$ 1,9 bilhão (aqui não estão contabilizados os R$ 3 bilhões da Lei Aldir Blanc, transferidos pelo governo federal a estados e municípios, e os possíveis montantes das leis estaduais e municipais de incentivos fiscais). Daí a importância de observarmos como ocorre a gestão local da cultura, a transparência, a qualidade e a responsabilidade do gestor perante os recursos públicos.

O setor cultural é relevante. Na economia, mantém 6,5% das empresas e 5,6% dos trabalhadores ocupados (4,8 milhões de pessoas), ou aproximadamente 2,6% do PIB.

O debate sobre política de megaeventos, shows e o bom uso dos recursos públicos não deve se restringir às pequenas cidades. A falta de manutenção dos espaços culturais nos bairros (muitos em situação precária de segurança), além dos distritos distantes e populosos sem qualquer opção de lazer ou cultura, é realidade nas grandes metrópoles do país. A administração municipal deve ter uma visão ampla, atender às diversas demandas da população e, principalmente, se esforçar para implementar modelos inovadores de gestão e estabelecer parcerias público-privadas que possam organizar e patrocinar esses espetáculos, deixando o poder público canalizar recursos humanos e financeiros para ações que não atraem a iniciativa privada.

Os eventos, shows e festivais geram impactos econômicos: a Virada Cultural de São Paulo, em 2019, contou com investimento da Secretaria Municipal de Cultura de R$ 18,8 milhões, um público de 5 milhões de pessoas (sendo 0,4% de turistas internacionais e 23,4% visitantes de outras cidades). O gasto médio por pessoa foi de R$ 81, e o retorno econômico para a cidade bateu os R$ 235 milhões. O ticket médio pelo total do público foi de R$ 3,60 por pessoa; considerando a população total, teremos R$ 1,45 por residente —ou seja, gera renda, arrecadação e movimenta outros setores econômicos.

Para além da lacração na internet, os dados retratam a potência econômica dos setores culturais, de eventos e de entretenimento. No entanto, ao utilizarmos recursos públicos, há que se agir com responsabilidade, cautela e bom senso, recomendação válida para artistas e gestores públicos. Dessa forma evitaremos remédios amargos.

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